Americanos consomem desinformação através de “podcasts”

De acordo com vários estudos, milhões de americanos consomem informações falsas através de podcast, um meio que se tornou muito popular. A desinformação passa pelas alegações de fraude eleitoral, e pelas vacinas contra a Covid-19.
O conceito de podcast, cada vez mais popular, é produto da união entre as palavras anglo-saxónicas "Pod", que vem do IPOD, um dispositivo reprodutor de áudio da Apple, e que é a sigla de "Personal On Demand" (numa tradução literal, será algo pessoal e sob demanda) - e broadcast, palavra em inglês que significa "transmissão". Como o próprio nome sugere, qualquer um pode criar o seu próprio podcast, com o conteúdo que quiser, em plataformas poderosas como o Spotify ou o YouTube, por exemplo.
Os EUA posicionam-se como o país com os casos mais alarmantes de informações falsas e propagandísticas, como o do comentador Joe Rogan, cujo podcast, o mais popular do Spotify, promoveu tratamentos não comprovados contra a Covid-19.
O Spotify, chegou a apoiar Rogan, em 2022, quando foi acusado de espalhar desinformação. Apesar disso, teve mesmo de retirar um episódio do ar, após uma discussão no Twitter sobre as vacinas contra a Covid-19.
A The Brookings Institution, organização que realiza pesquisas em várias áreas, apurou, também, que o podcast do ex-assessor de Donald Trump, Steve Bannon, chamado "War Room", gerou 135 milhões de downloads e transmitiu o maior número de informações falsas, sobre as acusações de fraude eleitoral, nas eleições de 2020, nos EUA.
Bannon disse ao The New York Times que estar nesse relatório é como ganhar uma "medalha de honra", e ao que chamam de desinformação, ele dá o nome de "verdade".
Eric Effron, o seu director editorial, disse que classificar podcasts é "mais desafiador" do que fazê-lo a outros conteúdos, porque o formato de áudio requer tempo para ouvir e rever as transcrições, o que “representa um tremendo investimento, porque usamos a inteligência humana".
Outro podcast citado pelo centro da Brookings, é um dos principais talk shows de notícias da Apple, do activista conservador Charlie Kirk, que alegou, também falsamente, que os atletas estavam a morrer por causa das vacinas contra a Covid-19, e que as autoridades eleitorais, no Arizona, manipularam os resultados de 2020.
Alguns analistas dizem que as pessoas procuram programas que reafirmem as suas próprias crenças.
Além disso, os podcasts estão a ser lançados como uma forma de comunicação alternativa aos media convencionais, onde “a relação com o anfitrião é diferente, é como uma conversa cara a cara; sentes que essa pessoa está a falar contigo”, diz Sylvia Chan-Olmsted, directora de investigação sobre o consumo dos media, da Universidade da Flórida. Segundo Chan-Olmsted, “as pessoas confiam mais” neste tipo de comunicação “e "é por isso que tem um maior impacto”.
“Há algo inerente na relação entre apresentador e público, que dá esse nível de credibilidade, de confiança”, disse Valerie Wirtschafter, analista sénior de dados. "E o desafio é que qualquer um pode ser um podcaster, pode ter um microfone e começar a falar sobre o que quiser", acrescentou. "Remover coisas talvez não seja a melhor solução, mas adicionar mais contexto, fornecer um ambiente mais rico para que as pessoas possam explorar factos ou conversar, acho que seria extremamente útil", afirma.
A equipa de Wirtschafter analisou cerca de 36 mil episódios de podcasts e constatou que 70% dos mais populares da América partilhavam, pelo menos, uma afirmação desmentida pelos verificadores de factos.
Um outro estudo, feito pelo Pew Research Center, revelou também, que quase metade dos americanos ouvem um podcast, e 87% dizem esperar que as informações sejam precisas, o que revela um nível de confiança mais alto do que em relação aos outros meios de comunicação.
Entretanto, a NewsGuard, empresa que avalia a credibilidade dos sites, anunciou, recentemente, que vai começar a avaliar a fiabilidade dos podcasts populares e que irá publicar os índices sobre cerca de 200 podcasts até 2024, para oferecer mais transparência ao público e permitir que os patrocinadores evitem podcasts com desinformação.
Ao contrário das redes sociais, os podcasts oferecem poucas, ou nenhumas opções ao seu público, para comentar ou refutar a desinformação.
No entanto, ainda não há uma ideia clara sobre a quem recai a responsabilidade de combater a desinformação em podcasts. Alguns analistas apontam para as plataformas que os hospedam, ou para recomendações dos algoritmos de gigantes da tecnologia como a Apple, Google e Facebook.