Jornalismo de investigação “é caro e cria muitos inimigos”

Como descreve o texto da APM - com a qual mantemos um acordo de parceria - Javier Chicote distinguiu-se, recentemente, por três trabalhos principais - sobre a tese do então Presidente do Governo, Pedro Sánchez, sobre as contribuições de empresas espanholas ao Partido Popular, no contexto do caso “Púnica”, e sobre a fraude da Fundação Messi.
Ir a tribunal “é desagradável, porque nos faz perder muito tempo a preparar a defesa, a procurar os papéis, as testemunhas, e tem um custo muito grande para o jornal; metemo-nos sempre com alguém mais forte do que nós, que geralmente tem dinheiro de sobra”.
O jornalista conta que ganhou o primeiro processo que lhe foi posto por Messi, por um dos casos mencionados pelo júri do Prémio que recebeu, mas já tem outro em cima:
“Em última instância, procuram calar-nos, e não é um prato saboroso ter que lá ir prestar declarações, mas aguentamos e compensa, porque estamos a fazer um trabalho importante: contar às pessoas o que está a acontecer, para que todos sejamos um pouco mais livres.”
Quando foi publicada a reportagem sobre a tese de Pedro Sánchez, conta que “houve pressões políticas, não directamente a mim, mas aos meus chefes [no jornal] e aos accionistas do Grupo Vocento”:
“Foi feita uma pressão muito grande para desacreditar as informações. Consistia em que outros meios de comunicação e jornalistas as desacreditassem. Entraram nisto vários meios de comunicação. A pressão era apontar-me como mau jornalista. Foram pressões duras, houve uma semana, ou dez dias, muito duros por este lado. Estava em causa a [minha] reputação, sendo atacado e desprestigiado.”
Foram ainda mais fortes as pressões no caso dos financiamentos ao Partido Popular, por meio do dirigente político Francisco Granados:
“Neste caso, consta-me que foi exigida a minha cabeça no jornal, que fosse despedido. Felizmente, tive apoio aqui, desde o director até ao administrador executivo, e não entregaram a minha cabeça. Consta-me que isso custou dinheiro ao jornal.” (...)
Respondendo à pergunta sobre alguma informação que não pôde publicar “por imperativos alheios ao critério informativo”, Javier Chicote admite que sim, em situações em que isso “afectava o interesse do meio de comunicação em que escrevia, fossem de natureza política ou económica”:
“Mas devo dizer que foram muito menos do que se poderia esperar. Posso dizer que tive uma dose de liberdade muito razoável, mas claro que sei que todos os meios de comunicação, logicamente, têm alguns interesses.”
“Fui freelancer durante muitos anos, escrevi na Interviú, no Público, El Mundo ou El Confidencial, em meios de comunicação de esquerda e de direita, e todos, absolutamente, têm os seus interesses, e há sempre um deles em que não se pode dizer algo sobre alguma [empresa], porque põe 200 mil euros [de publicidade] por ano.”
“Todos temos algum impedimento. Vivi isto e sofri isto. É o pão-nosso de cada dia. Causa-nos frustração, mas é assim que funciona.” (...)
Javier Chicote lamenta que não se faça muito jornalismo de investigação, e que se dê muitas vezes este título a um simples exclusivo, que se pode obter porque alguém o trouxe até ao repórter:
“A grande maioria dos exclusivos que se publicam, e grande parte dos casos que se apresentam como fruto de jornalismo de investigação, na verdade não o são, mas apenas ‘fugas’ mais ou menos interessadas. Em Espanha não há uma tradição tão madura como há nos países anglo-saxónicos.”
Sobre o efeito da precariedade laboral sobre a investigação, não tem dúvidas:
“O jornalismo de investigação distingue-se do que podemos chamar ‘de rotina’ por um único factor: o tempo. A um jornalista dá-se tempo para que trabalhe uma história. Se hoje tem que fazer uma, amanhã outra e depois mais outra, não pode investigar.”
“Numa situação de precariedade laboral, ter um jornalista de investigação é um luxo que é preciso pagar, e sai muito caro. A precariedade laboral e o jornalismo de investigação estão completamente em conflito. É preciso haver capacidade económica nos media para se conseguir fazer jornalismo de investigação forte.” (...)
A entrevista aqui citada, na íntegra no site da Asociación de la Prensa de Madrid