Os riscos escondidos das grandes redes sociais
“Já não há tempo para ler longos textos, logo absorvem apenas algumas frases, cujo conteúdo acaba por se acumular na memória individual, onde são formadas as opiniões. Sem diversidade informativa as pessoas acabam por aceitar ideias sem fundamento por falta de versões diferentes, e, é aí, que está o principal risco da uniformização centralizada das grandes redes”, alerta o professor Carlos Castilho no artigo publicado pelo Observatório da Imprensa do Brasil.
O autor exemplifica como as redes sociais podem tornar-se num instrumento imprevisível que pode sobrepor-se à vontade dos seus utilizadores e afectar a vida de milhões de pessoas sem terem prestarem contas a ninguém, como aconteceu com Elon Musk ao suspender as contas de jornalistas que cobriam as suas viagens.
Com cerca de 450 milhões de utilizadores do Twitter, “é como se Elon Musk governasse sozinho toda a América do Sul, onde vivem 430 milhões de pessoas distribuídas por 12 países”.
De acordo com o autor “é muito poder nas mãos de uma única pessoa e um forte alerta sobre os riscos que corremos quando tantas pessoas ficam dependentes do fluxo de dados, fatos e informações no Twitter”.
Outro exemplo apontado no artigo é o de Mark Zuckerberg, que com o Facebook, pode influenciar a vida de 2,9 mil milhões de utilizadores. O dono do Facebook controla também o WhatsApp e o Messenger, “o que lhe permite, potencialmente, afetar o quotidiano de aproximadamente 6,2 mil milhões de pessoas, teoricamente, quase 4/5 da população mundial. O número total de utilizadores é meramente teórico, porque há pessoas que utilizam mais do que uma rede e por isso são contabilizadas duas ou mais vezes, alerta Castilho.
O peso económico do conjunto das duas empresas é igual ao PIB brasileiro de 2021. No entanto, toda esta força económica foi acumulada “com base em informações deixadas gratuitamente pelos próprios utilizadores das redes sociais nos bancos de dados”.
Esses dados literalmente fornecidos gratuitamente são a matéria prima mais valiosa da atividade económica, pois servem de base para quase todas as atividades industriais e comerciais da atualidade”.
Longe do sonho dos seus fundadores o ideal de uma internet sem hegemonias transformou-se num conjunto de “plataformas oligárquicas de fazer inveja aos magnatas da indústria petrolífera mundial”.
A ideia de uma “praça virtual global” divulgada pelas acções de marketing do Twitter e pelos directores da rede desde 2013, na verdade, “esconde a ideia de uma centralização e verticalização do debate público, negando os princípios básicos da democracia”.
Castilho, reforça esta ideia citando um artigo publicado no The New York Times por Ezra Klein, onde este afirma que uma “praça global dirigida por um só homem (Musk) não é uma praça, mas sim uma montra”.
“O controle do fluxo de notícias pelas redes sociais já é um facto como provam sucessivas denúncias envolvendo Twitter e Facebook. Por exemplo”. No Brasil, a rede de Zuckerberg, ignora desde 2021, as advertências de funcionários da sua própria empresa sobre a organização de extrema direita Ordem Dourada do Brasil, que publica conteúdos negacionistas e fake news sobre a pandemia do coronavírus na sua página do Facebook”.
“Sem diversidade informativa as pessoas acabam por aceitar ideias sem fundamento por falta de versões diferentes, e, aí é que está o principal risco da uniformização centralizada das grandes redes”. No entanto, apesar de todo o poder sobre os fluxos informativos mundiais, as grandes plataformas têm um ponto fraco. A matéria prima com que trabalham é “extremamente volátil” uma vez que “o descontentamento dos utilizadores pode propagar-se rapidamente, como já acontece hoje com a migração de clientes do Twitter para a rede Mastodon. Caso a desconfiança sobre a conduta errática de Musk ganhe corpo, a rede pode seguir o caminho das finadas MySpace e Orkut, que desapareceram depois de existências fulgurantes”.
A migração de utilizadores tem sido “uma ferramenta eficiente para controlar o crescimento e o poderio das grandes redes sociais”. De acordo com Tim Berners Lee, criador da Internet, “a capacitação dos utilizadores através do fenómeno da migração entre plataformas pode ser uma alternativa ao complexo processo de regulamentação das redes sociais”.