A imprensa brasileira já nasceu sob a tutela do poder político do Estado, nos idos tempos de 1808, com a vinda da família real, afirma o autor. Em 10 de Setembro de 1808, começava a circular a Gazeta do Rio de Janeiro, o jornal do governo português na colónia, veiculando apenas notícias favoráveis à Corte.

No entanto, o germe da oposição ao regime já havia brotado, alguns meses antes. Em 1º de Junho de 1808, o jornalista Hipólito José da Costa, exilado em Londres, lança naquela capital o primeiro jornal brasileiro, o Correio Braziliense, que só circularia no Rio de Janeiro, em Outubro daquele ano, com grande repercussão na elite letrada, sendo imediatamente proibido e apreendido pelo governo português. Assim, entre elogios à Corte e a censura, nascia a imprensa no Brasil, sob um rigoroso regime de controle e censura régia, só circulavam jornais com autorização de D. João VI.

A história política do Brasil é uma espécie de “acidente de percurso” no que se refere às fugazes tentativas de criar uma “res-publica”, espelhada nas democracias liberais, cuja baliza foi a tríade “liberdade, igualdade e fraternidade”. Nestes quase 520 anos de história política, em raros momentos isso se insinuou, e, percentualmente, talvez, não chegue a 2% desse marco temporal. A primeira Constituição Federal, de cunho liberal foi promulgada somente em 1946, consagrando direitos elementares, tais como igualdade de todos perante a lei, liberdade de manifestação de pensamento, sem censura - a não ser em espectáculos e diversões públicas -, liberdade de associação para fins lícitos, a legalização do Partido Comunista, que duraria apenas seis meses após a promulgação.

O golpe civil-militar de 1964, liquidava a tentativa de instituição da democracia liberal, e adoptaria uma outra Constituição (1967), com retrocessos gerais, dando início ao mais longo período de ditadura no país (oficialmente, 21 anos). A imprensa, em 1964, sustentou a “Marcha da Família com Deus, pela Liberdade” e foi “porta-voz” e protagonista, a um só tempo, dos que pediam a ditadura, ferindo de morte a tentativa do trabalhismo realizar algum tipo de política pública que pudesse mitigar as desigualdades sociais e distribuir riquezas e oportunidades à população.

Um dos principais agentes políticos da imprensa brasileira no pós-1964, as Organizações Globo, só vieram a fazer uma autocrítica pública sobre o apoio ao golpe quase cinquenta anos depois, num editorial publicado em 31 de Agosto de 2013, precedido de um texto do qual se destaca um trecho: “Desde as manifestações de Junho, um coro voltou às ruas: ‘A verdade é dura, a Globo apoiou a ditadura’.

De facto, trata-se de uma verdade, e, também de facto, de uma verdade dura”. “A lembrança é sempre um incómodo para o jornal, mas não há como refutá-la”. “À luz da História, contudo, não há por que não reconhecer, hoje, explicitamente, que o apoio foi um erro, assim como equivocadas foram outras decisões editoriais do período que decorreram desse desacerto original. A democracia é um valor absoluto.

E, quando em risco, ela só pode ser salva por si mesma”, afirma o comunicado. Como tragédia e farsa, a um só tempo, os grandes grupos de comunicação que compõem o oligopólio privado dos media, à revelia da Constituição (1988), voltariam a cometer os mesmos equívocos e actuar contra o Estado Democrático de Direito – com todas as suas imperfeições, fruto do processo histórico que teve na chamada “redemocratização” (após 1985) a experiência mais longeva.

Em Novembro de 2018, a professora Christa Berger (UFRGS), pesquisadora de referência no campo jornalístico, apresentou uma conferência no Encontro Nacional da SBPJor, em São Paulo, cujo título é perfeito: “Jornalismo brasileiro, o inimigo íntimo da democracia”. Citando o filósofo búlgaro Tzvetan Todorov, Christa vaticinava: “A democracia produz, nela mesma, forças que a ameaçam, e a novidade de nossos tempos é que essas forças são superiores àquelas que a atacam de fora.

Combatê-las e neutralizá-las é tanto mais difícil quanto mais elas invocam o espírito democrático e possuem, assim, as aparências da legitimidade”. E acrescentava a pesquisadora gaúcha: “A essas forças poderosas, porque atacam desde dentro, ele chama de ‘inimigos íntimos da democracia’. Pela omnipresença na sociedade, pela aparência de legitimidade e pelo poder de dar a ver os acontecimentos, ele identifica os media hegemónicos como a principal inimiga íntima da democracia”.

A história do jornalismo brasileiro apresenta-se como um tremendo paradoxo: é rica em luta dos homens e mulheres que dignificam a profissão, apurando e escrevendo reportagens memoráveis. Por outro lado, é uma ode ao autoritarismo, do ponto de vista dos empresários do sector, sempre na vanguarda do atraso, historicamente alinhados com as forças mais conservadoras e retrógradas do país.

Em última análise, lamentavelmente, nos momentos decisivos, a imprensa tradicional rifou a democracia, apequenou-se e defendeu abertamente ditaduras e golpes, afirma Samuel Lima A avaliação de Lima conclui que o jornalismo está hoje representado por uma nova modalidade, que nasce sendo chamada de “independente”, nos projectos que buscam a sustentabilidade financeira e independência editorial para praticar o jornalismo de qualidade, sem fins de lucrativos, na internet.


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