1 - Assistir a entrevistas na televisão tornou-se um ato penoso. As entrevistas fizeram-se para que alguém possa transmitir a terceiros o que entende dever ser transmitido. Ao jornalista cabe o papel de intermediário e intérprete do que julga ser a curiosidade do público. A entrevista é um ato de esclarecimento. Diferente de um texto de opinião ou de uma comunicação pura e simples exatamente por causa da presença do intermediário na comunicação. Mas isso não faz do jornalista figura central. O que de há uns anos para cá vem acontecendo com as entrevistas televisivas é que se transformaram em combates entre entrevistador e entrevistado. Combates ainda por cima desiguais: a maior parte das vezes os jornalistas bombardeiam os entrevistados e nem tempo lhes dão para responder. O espetador pouco interessado estará na opinião do jornalista e, não raras vezes, fica mais clara a opinião deste do que a do pobre entrevistado que, a cada resposta que ensaia, é imediatamente bombardeado com nova pergunta. Não sei qual foi o momento em que se perderam as boas práticas nas TV. Mas perderam-se. Os mais velhos lembrar-se-ão das entrevistas calmas, serenas e acutilantes de Joaquim Letria, das conversas pausadas de Carlos Pinto Coelho e de outros mais. Nenhum deles, seguramente, andou a fazer fretes aos seus entrevistados. Nenhum deles precisou nunca de alardear os seus conhecimentos. O seu “peso” sentia-se, mas não perturbava. A maior parte dos entrevistadores das televisões interfere e prejudica a fluidez do discurso do entrevistado. Acresce que, ao quererem ser protagonistas, expõem-se ao ridículo e fragilizam a sua posição de intermediários na comunicação. Não é por acaso que começam a fazer caminho debates sem moderação onde, acreditem, o tom é mais calmo e genericamente mais esclarecedor do que com a presença das “super vedetas” da entrevista.Também houve um momento qualquer em que os entrevistadores resolveram passar a um tratamento informal e coloquial com os seus entrevistados. Mas fizeram-no da pior forma. O Presidente da República é sempre o Presidente da República. E se a entrevista for ao candidato a Presidente, passará a ser o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, com ou sem Prof., nunca Marcelo, apenas. Ana Gomes será sempre Ana Gomes, com ou sem o dr., mas nunca Ana. São regras elementares que se aplicam também aos políticos. Há dias, Marcelo Rebelo de Sousa tratava os seus entrevistadores por “o Ricardo” e “o Bernardo”. A intimidade entre figuras não existe na televisão. Dito pelo candidato a Presidente acentua a sua superioridade perante os entrevistadores – o que lhe fica mal. Dito pelos entrevistadores parece querer diminuir a figura do entrevistado – o que é feio.
Dezembro 20
2 – Quando, há anos, caiu a Ponte de Entre-os-Rios, o ministro da tutela foi rápido a pedir a demissão. Porquê? Porque era o que estava no posto mais alto da hierarquia e, embora não fosse tido nem achado no acidente pensou que seria um erro continuar no cargo, simplesmente porque estar no topo da hierarquia tem consequências.
Eduardo Cabrita pensa de maneira diferente e recusa a demissão depois do SEF ter assassinado um cidadão ucraniano. Vai tão longe na sua defesa que proclama, sem um pingo de vergonha, que foi o único a fazer alguma coisa. É certo. Foi porque era ele o ministro. O mal é que agiu tarde e por para isso ter sido empurrado por alguma comunicação social – essa sim atenta.
Uma conferência de Imprensa lamentável pelo que revelou de falta de ética do ministro não foi suficiente para o primeiro ministro o demitir. Nem sempre os ministros saem quando se põem a jeito. O chefe do Governo é que define o timing e, por muito que isso possa custar a António Costa, o ministro Eduardo Cabrita tem os dias contados. É só deixar passar a agitação das águas e esperar pela oportunidade de uma remodelação.
3 – Quando alguém é chamado a Belém ou pede para ser recebido presta, normalmente, declarações depois da audiência, nem que seja para dizer não querer revelar o conteúdo da conversa mantida com o Presidente da República.
Recentemente, o diretor da PSP disse o que devia e não devia à saída de Belém deixando em maus lençóis o mesmo ministro Eduardo Cabrita.
Pode ser só má educação e falta de chá. Mas militares e polícias estão treinados para dizerem só o que devem dizer e nunca se desviam. Tendo este dito demais, é lógico que nos interroguemos porquê, com que intenção e para o interesse de quem? Esperemos que cenas dos próximos capítulos lancem luz sobre esta questão.