Da mesma forma que uma boa parte dos “comentadores” que invadiu a antena das televisões, generalistas e temáticas, se comporta como se estivesse numa conversa de café, também a lógica futebolística assentou arraiais na série de debates pré-eleitorais para as Legislativas.

De facto, reapareceu em mais do que um jornal, digital ou impresso, uma espécie de campeonato com a sua tabela classificativa, que consiste na atribuição de pontuações a cada um dos actores partidários envolvidos nos frente-a-frentes televisivos, para esclarecimento e proveito dos serões dos portugueses.

Assim, passou a ser “moeda corrente”, ler-se ou ouvir-se, que fulano “ganhou” a beltrano, como se fosse a coisa mais natural desta vida e os debates não passassem de um duelo entre “chefes”, onde o mais importante não é discutir ideias, mas tão somente apurar quem foi o vencedor e o vencido.

Claro que a avaliação prima pela subjectividade e pelas simpatias político-partidárias de jornalistas e demais personagens investidos no papel de “comentadores”. Alguns deles excedem-se mesmo no zelo desse desempenho.

Com a multiplicação de canais televisivos informativos, intensificou-se a concorrência e uma das suas manifestações mais típicas exprime-se através do alargamento exponencial do elenco de “comentadores”.

Da política ao futebol, da economia à guerra, o número de “especialistas” aumentou vertiginosamente, sendo já difícil encontrar um espaço no alinhamento mediático que não esteja devidamente preenchido por esta nova casta de intérpretes da “sociedade do espectáculo”, sobre a qual escreveu Guy Debord, num livro premonitório, editado nos anos 90 do século passado.

Nesse ensaio, o autor reflectia precisamente sobre “a alienação do espectador em proveito do objecto contemplado“ numa análise lúcida e severa das “misérias e escravidões de uma sociedade - a do espectáculo em que vivemos - que nos nossos dias estendeu o seu domínio a todo o planeta”, tal como é referido na apresentação de uma das edições da obra.

Veja-se a título de exemplo, a encenação teatral montada por Trump na Casa Branca, para proceder à assinatura da cascata de “ordens executivas“, à qual se tem dedicado com inusitado gozo, e que traduz bem o seu apego ao “reality show” ou à “sociedade do espectáculo“ que marcaram a sua carreira de empresário, de “entertainer” televisivo e de político nas horas vagas, antes de sentar-se na famosa sala oval .

À nossa dimensão, tratar a política como se fosse um jogo ou um espectáculo, corresponde, afinal, ao perfil alienante das disputas de poder, em que conta mais a espuma do que a substância, enquanto se agravam as incertezas, a ligeireza e a superficialidade dos tempos estranhos que vivemos.