Em duas decisões temporárias tomadas recentemente, os juízes federais desferiram golpes na tentativa da conselheira de Trump, Kari Lake, de desmantelar cinco emissoras internacionais financiadas pelo Governo e supervisionadas pela Agência dos EUA para os Media Globais, avança a NPR

O juiz norte-americano J. Paul Oetken emitiu uma ordem de restrição temporária contra Lake, a agência e o seu chefe interino, Victor Morales, dizendo que “não podiam tomar mais medidas para encerrar a Voz da América, a mais antiga das cinco redes”. A agência já suspendeu indefinidamente a força de trabalho a tempo inteiro da Voz da América e despediu todos os seus funcionários contratados. 

Em Washington, no dia 26 de Março, outro juiz federal congelou os esforços de Kari Lake para cortar os fundos da Radio Free Europe/Radio Liberty, outra emissora internacional com financiamento americano. Pouco depois, a Agência dos EUA para os Media Globais começou a informar a emissora e várias outras de que o financiamento seria restabelecido. Contudo, a NPR conta que o ponto de situação “permanece pouco claro”. 

Kari Lake, ex-pivot de notícias numa televisão local em Phoenix, candidatou-se, por duas vezes, a um cargo estatal no Arizona. Mostrou o seu apoio a Donald Trump e tornou-se na sua conselheira presidencial para a USAGM. A NPR afirma que “Lake atacou a Voz da América e as suas redes irmãs como repletas de preconceitos liberais e anti-Trump".  

Após as decisões judiciais, a conselheira sugeriu que a rede fosse reformulada para “servir melhor o país e para garantir que ela atenda às prioridades do governo Trump”. Na rede social X, escreveu que o plano para a Voz da América será “modernizá-la, torná-la mais eficiente e garantir que, em vez de espalhar propaganda anti-americana, esteja a divulgar informações alinhadas com as nossas políticas diplomáticas”. 

Recentemente, Trump ordenou cortes na agência-mãe da emissora, algo que gerou protestos e processos por parte de jornalistas e grupos de defesa da imprensa. Enquanto isso, alguns congressistas, tanto democratas quanto republicanos, defendem a importância da Voz da América. 

Actos ilegais e “lesão da Primeira Emenda” 

Segundo a NPR, o juiz Oetken escreveu que “viu repetidamente mérito nas alegações dos queixosos de que Lake, Morales e a agência tinham violado a lei e as disposições constitucionais, incluindo o requisito de que Trump ‘tome cuidado’ para garantir que as leis federais sejam aplicadas”. Oetken salientou que o Congresso atribuiu especificamente verbas à Voz da América desde a sua fundação. 

Na sua decisão, o juiz acrescentou que se tratava de uma “lesão clássica à Primeira Emenda e é também um dano decorrente de outros actos ilegais que resultaram no encerramento da USAGM”. 

Também o juiz americano Royce C. Lamberth decidiu a favor da Radio Free Europe/Radio Liberty, outra rede financiada pelo Governo. “A ordem de restrição temporária de Lamberth proíbe Lake e a agência de avançarem com os planos de cortar todas as verbas atribuídas pelo Congresso à Radio Free Europe/Radio Liberty”, avança a NPR

Lamberth decidiu que a liderança da USAGM “não pode, com uma frase de raciocínio que não oferece praticamente nenhuma explicação, forçar a RFE/RL a fechar - mesmo que o Presidente lhes tenha dito para o fazer”.  

Tanto num caso como no outro, a Agência dos EUA para os Media Globais alegou que estava apenas a cumprir a ordem de Trump de reduzir as suas operações apenas às exigidas por lei. Relativamente ao caso de Nova York envolvendo a Voz da América, também argumentou que havia cumprido os “requisitos estatutários” ao manter 33 colaboradores da rede irmã da Voz da América, a Rádio/TV Martí, assim como “aproximadamente 31” outros trabalhadores. 

O juiz sustentou que a declaração do Governo Trump de que reduziria as redes ao mínimo exigido por lei “não se sobrepôs ao direito do Congresso de designar dinheiro especificamente para a rede. Os funcionários da Casa Branca e da USAGM também não seguiram as políticas exigidas para encerrar esses programas, o que atrasaria consideravelmente o esforço”, expõe a NPR

Os “efeitos imediatos” das acções 

Na sequência das decisões da administração de Trump, a Radio Free Asia, financiada pelo Congresso através da USAGM, demitiu 75% da sua equipa em Washington, e, segundo a NPR, a Radio Free Europe/Radio Liberty “enfrenta medidas drásticas para sobreviver”. Muitos funcionários estrangeiros podem ser forçados a voltar para os seus países de origem, por vezes hostis. 

É salientado que as redes, financiadas pelo Governo dos EUA, “visam promover e modelar os ideais americanos pluralistas. E servem como fonte de responsabilidade pública em países sem uma imprensa robusta ou livre”. De acordo com os números da própria agência, as redes atingem semanalmente mais de 420 milhões de pessoas em 63 línguas e mais de 100 países. 

A agência enfrenta múltiplos processos judiciais – cinco acções judiciais no total -, incluindo acções lideradas pelo seu director suspenso, Michael Abramowitz. 

Kari Lake diz-se vítima de uma guerra jurídica 

A NPR esclarece que Kari Lake, Morales e a agência não responderam aos seus pedidos de comentário, mas que, nas redes sociais, a conselheira de Trump alegou que ela e o Presidente têm sido vítimas de perseguição política e de processos judiciais que pretendem prejudicá-los. 

Após a ordem de restrição que impede novas acções contra a Radio Free Europe/Radio Liberty, a USAGM reverteu a suspensão dos subsídios e informou que iria disponibilizar fundos para o ano fiscal actual. Outras organizações financiadas pela agência, como o Fundo de Tecnologia Aberta, também começaram a ser notificadas sobre a possível continuidade dos recursos. A NPR informa que os funcionários da Radio Free Asia e da Middle East Broadcasting Networks ainda aguardam uma confirmação. 

“A suspensão temporária - e mesmo as promessas de reposição de fundos - não oferece, no entanto, um alívio permanente. Os executivos e funcionários das redes acreditam que Lake vai tentar convencer os legisladores a retirarem os fundos para o próximo ano orçamental, apesar de terem acabado de confirmar os seus orçamentos na actual medida provisória de despesa”, avança a NPR, que acrescenta que ainda não é claro se Kari Lake vai ou não afastar-se da reestruturação da agência. 

Na passada sexta-feira, a conselheira presidencial enviou um aviso aos colaboradores da USAGM para verificarem os seus e-mails. Segundo contam, o correio electrónico continha uma oferta que os encorajava a aceitar uma saída voluntária: “A sua forma de sugerir que os despedimentos permanentes podem estar no horizonte”, remata a NPR

(Créditos da imagem: Audio Engineering Society)