Talibãs restringem no Afeganistão a presença de mulheres na rádio

“Quando os talibãs começaram a marchar em direcção às cidades do Afeganistão, no Verão de 2021, Alia [nome fictício], uma jornalista afegã de 22 anos, deu por si a fazer um dos trabalhos mais importantes da sua curta vida e carreira”, começa por relatar o The Guardian num artigo publicado.
Através da rádio, relatou a retirada das tropas estrangeiras, o cerco aos escritórios do governo e a detenção de antigos funcionários na sua província. “Acima de tudo, Alia relatava a situação das mulheres e os seus medos e preocupações - emoções que ela própria estava a viver - à medida que os talibãs começavam a impor restrições às mulheres”.
A repressão contra os meios de comunicação social e os jornalistas no país não tardou em chegar, com 336 casos conhecidos de detenção, tortura e intimidação entre Agosto de 2021 e Setembro de 2024, segundo dados da ONU.
O The Guardian explica que “a situação tem sido particularmente difícil para os repórteres de rádio e televisão, que podem ser reconhecidos e visados pelo seu rosto e voz. Em várias províncias, os talibãs proibiram as mulheres de emitir na rádio”.
Em 2022, após uma série de ameaças de líderes locais talibãs devido à contratação de jornalistas mulheres, a estação em que Alia trabalhava demitiu-a para sua segurança: “Pediram-me para sair por causa do meu género. Eu queria dar voz às mulheres. Não imaginava que um dia a minha própria voz seria abafada", relata.
Nos anos seguintes, as mulheres continuaram a ser excluídas dos media. “Primeiro, houve uma proibição a nível nacional da voz das mulheres em público e agora, este mês, um dos últimos meios de comunicação social geridos por mulheres foi silenciado, com os escritórios de uma estação de rádio feminina sediada em Cabul, a Radio Begum, invadidos, o pessoal detido e a estação retirada do ar”.
Os talibãs acusaram a estação de rádio de violar políticas de radiodifusão, mas os membros insistiram que estavam apenas a oferecer "serviços educativos às mulheres e meninas do Afeganistão”, especialmente após a proibição do ensino superior para mulheres.
Antes de os talibãs tomarem o poder, o Afeganistão tinha cerca de 543 meios de comunicação com quase 11 mil colaboradores. Em Novembro de 2021, 43% destes meios foram encerrados e restaram apenas 4 360 trabalhadores. “A situação tem sido ainda pior para as mulheres nos meios de comunicação social”, relata o The Guardian, acrescentando que uma estimativa recente da Federação Internacional de Jornalistas documentou apenas 600 jornalistas activas no Afeganistão em Março de 2024, contra 2 833 mulheres no jornalismo antes de Agosto de 2021.
"Não consigo exprimir o sentimento de desespero e de miséria que sinto. É preciso ser uma mulher afegã para compreender verdadeiramente como tem sido difícil desistir de tudo aquilo por que se trabalhou. Mostrámos ao mundo que os talibãs não mudaram e não vão mudar. E isso assusta-os", diz Alia.
Algumas vozes femininas resistem nas províncias do Norte, devido a divergências no seio dos talibãs sobre a exclusão das mulheres da sociedade. A rádio continua a ser uma fonte vital de informação para muitas famílias num país com alta pobreza e baixo acesso à Internet e televisão. Alia acredita que os media “são a única fonte capaz de expor os crimes dos talibãs ao povo e ao mundo, de expor a forma como têm vindo a privar as mulheres e outros grupos. E também ajuda os afegãos a estarem mais conscientes através de programas como os da Radio Begum".
(Créditos da imagem: Muhammad Sadiq/EPA no The Guardian)