As mudanças climáticas extremas afectam a cobertura jornalística

Num artigo para o Columbia Journalism Review, Peter Schwartzstein, jornalista e investigador ambiental, começa por descrever uma experiência que viveu no Iraque, em 2017, onde uma tempestade de areia o impediu de cobrir as dificuldades dos agricultores locais. “Quando saímos de Bagdade, o ar assumiu uma tonalidade pesada e amarelada”, relata o jornalista, lembrando como a visibilidade piorou rapidamente.
“As alterações climáticas estão repletas de ironias brutais. A estas há que acrescentar as formas como o clima está cada vez mais a sabotar as tentativas dos jornalistas para o cobrir. Os locais estão a ficar inacessíveis devido a fenómenos meteorológicos extremos. O equipamento está a falhar ou a partir-se ou simplesmente a revelar-se inadequado para o efeito em condições mais difíceis. Neste pântano, por vezes literal, de lama e temperaturas alucinantes, esta história importantíssima está a tornar-se mais difícil de contar”.
Em entrevistas com uma dúzia de jornalistas ao redor do mundo, Peter Schwartzstein ouviu relatos de como as condições climáticas dificultam a cobertura de crises. Nichole Sobecki, que tem fotografado crises climáticas na África Oriental, compartilhou as suas experiências, incluindo episódios de desmaios e desidratação, especialmente em países como Djibuti e Sudão do Sul, onde as temperaturas ultrapassam regularmente os 38 graus Celsius. A jornalista referiu ainda o perigo de doenças e a escassez de água potável nas áreas mais afectadas pelas alterações climáticas.
Além dos riscos para a saúde, os jornalistas enfrentam também danos no equipamento. A fotógrafa Alexandra Rose Howland, que cobriu incêndios florestais na Grécia em 2024, descreveu as dificuldades que teve ao tentar manter as suas câmaras a funcionar sob calor extremo. “Colocava uma das câmaras numa geleira sempre que a bateria sobreaquecia; mesmo assim, houve períodos em que nenhuma delas conseguia funcionar”, conta. Ela acredita que estas limitações tecnológicas tornaram quase impossível capturar a totalidade daquilo que testemunhou na Grécia.
Allison Joyce, uma fotógrafa da Carolina do Norte, revelou que, devido aos riscos de danos no seu equipamento, por vezes evita cobrir fenómenos climáticos extremos. “Por vezes, não queremos lidar com a possibilidade de o nosso equipamento se molhar e ficarmos sem ele”, explicou.
Um fotógrafo indiano mencionou que deixou de cobrir eventos climáticos após o ciclone Sidr, em 2007, devido ao trauma de ver corpos pendurados nas árvores. Arko Datto, um fotógrafo de Calcutá, relatou pesadelos recorrentes após anos a documentar a erosão das margens dos rios perto da sua cidade natal. “Aconteceu-me várias vezes ir dormir e sonhar com a terra a ceder debaixo dos meus pés”, disse ele a Peter Schwartzstein.
O jornalista relata uma outra história pessoal: em 2019, estava pronto para viajar para a região da Somália, na Etiópia, para cobrir a seca intensa, mas, dias antes do seu voo, uma chuva torrencial fora de época trouxe a primeira chuva na área em mais de um ano, o que resultou num alívio temporário para os locais, mas impediu a reportagem. "Acabámos por não ir, apesar de as condições de seca terem regressado rapidamente, empurrando a região ainda mais para a pobreza", explica.
Diante destes desafios, os jornalistas precisaram de se adaptar. Alguns cobrem as suas câmaras com fita impermeável para protegê-las da água ou improvisam coberturas com roupas para proteger o equipamento do sol abrasador. Outros optam por trabalhar durante a noite, quando as temperaturas são mais amenas. “O mecanismo de enfrentamento mais comum é simplesmente gastar mais dinheiro”. Moises Saman, fotógrafo da Magnum, compartilhou uma abordagem prática: "Levo sempre mais de tudo. Não queremos estar numa situação em que estamos no terreno e algo se parte e não podemos fotografar. Esta é a única coisa que posso fazer. Não há atalhos."
Embora os impactos climáticos possam parecer menores em comparação com outros desafios enfrentados pelo jornalismo, como questões financeiras e de segurança, as alterações climáticas, ao complicarem a cobertura jornalística num momento de orçamentos apertados, “estão a minar os esforços para comunicar adequadamente a gravidade da situação. Isso prejudica a narrativa eficaz necessária para destacar a urgência de uma acção climática significativa”.
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