“A cobertura dos conflitos em Gaza e no Líbano tornou-se uma das mais perigosas e mortíferas para os jornalistas na história recente”, começa por contar Ethel Bonet, jornalista a trabalhar no Líbano há mais de 20 anos, num artigo nos “Cuadernos de Periodistas” editados pela Associação de Imprensa de Madrid, entidade parceira do CPI.  

Desde que, em Outubro de 2023, se iniciaram os combates, mais de 120 jornalistas perderam a vida, principalmente em Gaza. Já no Sul do Líbano, pelo menos oito jornalistas foram mortos enquanto cobriam confrontos na fronteira com Israel. 

“Apesar das garantias do direito humanitário internacional, que promete protecção aos civis, incluindo os jornalistas, em tempo de guerra, há indícios de que os repórteres em Gaza e no Líbano estão a ser deliberadamente visados. Numerosos jornalistas, mesmo aqueles que usam coletes à prova de bala e capacetes com a palavra ‘imprensa’ estampada, têm sido alvo de ataques aéreos e bombardeamentos”, conta Ethel Bonet.  

O jornalista dá a conhecer o testemunho de Ahmed Zaki, correspondente em Gaza: “Nunca tínhamos vivido nada assim. As equipas de imprensa são sistematicamente atacadas, como se fôssemos apenas mais um alvo no conflito”. 

No dia 13 de Outubro de 2023, Issam Abdallah, jornalista da Reuters, foi morto num ataque israelita no sul do Líbano quando transmitia imagens de vídeo para emissoras. Seis outros jornalistas, incluindo os da Al Jazeera, da Agence France-Presse (AFP) e da Reuters, ficaram feridos no mesmo ataque perto da cidade de Alma al-Shaab, a poucos quilómetros da fronteira israelita. 

Outros casos semelhantes ocorreram e, para Ethel Bonet, estas situações reflectem o “perigo constante que correm os jornalistas que cobrem o conflito na região e sublinham a necessidade de uma investigação internacional para que os assassinatos, considerados crimes de guerra, não fiquem impunes”. 

A restrição de acesso é um outro obstáculo vivido pelos jornalistas que cobrem Gaza e o Líbano: “Israel implementou políticas que limitam a entrada de jornalistas internacionais na Faixa de Gaza, permitindo apenas a entrada daqueles que integram as forças militares israelitas”, explica o jornalista. Uma medida que tem sido “fortemente criticada” por organizações de defesa dos direitos humanos, para quem o controlo sobre os repórteres limita a capacidade de cobrir os factos de forma imparcial e independente. “O acesso à informação, neste sentido, torna-se um recurso controlado e restrito, dificultando o trabalho livre e objectivo dos jornalistas no terreno”, acrescenta. 

Os danos provocados pelos bombardeamentos nas infraestruturas em Gaza levaram ao corte de energia e Internet e “tornou-se quase impossível” a comunicação em tempo real. “No meio deste cenário de restrições, os jornalistas enfrentam um duplo desafio: relatar os factos num ambiente extremamente perigoso e lutar contra a censura que limita o acesso e a liberdade de expressão”, explica Bonet. 

Os “pesados custos” da cobertura 

O jornalismo em situações de conflito tem um “pesado custo emocional e psicológico”. Os jornalistas que cobrem o conflito em Gaza e no Líbano enfrentam não só o risco físico de serem atacados, mas também o desgaste emocional da exposição constante à violência: “Em Gaza, muitos jornalistas relatam sintomas de perturbação de stress pós-traumático, devido à exposição constante à morte, à destruição e ao desespero humano. A perda de vidas e os danos emocionais causados pela violência têm um impacto significativo na saúde mental dos jornalistas, que são obrigados a continuar a trabalhar apesar da dor e do sofrimento”. 

O jornalista expõe que a insegurança no trabalho está enraizada na profissão e que, por isso, “quase nenhum órgão de comunicação social está disposto a investir na segurança ou no bem-estar dos seus repórteres”. 

Detenções e ameaças 

Para além dos ataques aéreos e dos confrontos no terreno, os jornalistas foram também sujeitos a “detenções arbitrárias e a ameaças constantes”. Em Gaza, mais de 70 jornalistas palestinianos foram detidos, segundo o Comité para a Protecção dos Jornalistas (CPJ), sob a acusação de colaborarem com organizações terroristas. No Líbano, vários jornalistas foram feridos e ameaçados. 

Ethel Bonet relembra um episódio: “Na sequência do assassinato de Fouad Chokr, um dos líderes do Hezbollah, a 30 de Julho, num ataque aéreo israelita em Dahieh (subúrbios de Beirute), todos os dispositivos de controlo da imprensa do Hezbollah foram accionados. O acesso era mínimo e havia cordões ‘policiais’, ameaças constantes se a câmara fosse apontada para locais indesejados e múltiplas detenções. O operador de câmara da AFP, ferido no ataque que matou Abdallah (Reuters), foi encostado à parede, interrogado e o seu telemóvel apreendido. Um jornalista libanês da NPR foi detido e mantido incomunicável durante mais de seis horas, enquanto o fotógrafo da Paris Match foi preso quando se aproximava do local do crime por não possuir as credenciais necessárias”. 

A realidade dos freelancers 

Para os jornalistas independentes, sem o apoio de grandes meios de comunicação social, a precariedade e a insegurança “aumentam exponencialmente”. Ethel Bonet partilha a história de Helena Pelicano, jornalista freelancer no Líbano, que, apesar de ter o apoio de dois meios de comunicação social espanhóis, tem de comprar o seu próprio seguro de saúde e colete à prova de bala e a acreditação para cobrir o conflito no sul do Líbano é complicada. E acrescenta: “as exigências de autorização do Hezbollah e as restrições impostas pelas autoridades libanesas dificultam ainda mais o trabalho dos jornalistas internacionais”.  

Janire Gómez Muñoz, freelancer em Jerusalém, explica que a censura dos media atinge níveis extremos em Gaza, agravada nos últimos anos com Israel a bloquear o acesso dos jornalistas internacionais à Faixa de Gaza. O jornalista conta que, apesar dos esforços para transmitir a verdade a partir do exterior, a veracidade do seu trabalho é constantemente posta em causa. Em Gaza, a violência foi documentada por jornalistas locais, que também têm de enfrentar uma dupla censura: “a de Israel e a do próprio público, que os acusa frequentemente de parcialidade”.   

Mikel Ayestaran, jornalista freelancer, também citado no texto de Bonet, salienta que as autoridades israelitas gerem a informação “de modo a favorecer a sua narrativa”, uma estratégia sistemática para controlar o fluxo de informação e manter o controlo sobre a opinião pública. 

“Uma das principais dificuldades enfrentadas pelos jornalistas freelancer é o isolamento. Em muitos casos, enfrentam não só a falta de acesso às zonas de conflito, mas também a impossibilidade de receber o apoio logístico necessário”, salienta Bonet. Esta situação cria um “vazio na cobertura dos direitos humanos” e dificulta o trabalho dos jornalistas freelancer, sem recursos para pagar pelos serviços de fixers

“Além disso, o trabalho dos freelancers é frequentemente subvalorizado. Os meios de comunicação social não os compensam adequadamente pelo esforço de viajar para zonas de conflito, o que significa que os jornalistas não só têm de cobrir os custos da sua própria segurança, como também não recebem uma remuneração justa pelo seu trabalho”. 

Apesar das adversidades, Ethel Bonet salienta que o trabalho dos freelancers “continua a ser crucial para dar uma imagem mais completa e matizada dos acontecimentos em Gaza e no Líbano, onde o acesso à verdade é cada vez mais limitado. A luta pela liberdade de informação nunca foi tão crucial”. 

(Créditos da imagem: macrovector no Freepik)