Leis securitárias e populismos ameaçam a liberdade de Imprensa
Isto não é apanágio exclusivo da França - esclarece Patrick Eveno:
“Pensamos, evidentemente, em Trump, mas também naquilo a que hoje chamamos as ‘democraturas’, estas ditaduras que não confessam o seu nome, como a de Recep Tayyip Erdogan, na Turquia.”
O historiador recorda episódios já ocorridos durante o mandato de François Hollande, como a queixa contra o jornalista Aziz Zemouri, de Le Point, ou, mais recentemente, as que visam Ariane Chemin, de Le Monde, bem como o próprio director daquele diário.
Os jornalistas agora são chamados pela DGSI – Direction Générale de la Sécurité Intérieure, como sucedeu no caso que envolve Benalla. Segundo explica Patrick Eveno, a revelação feita na altura pelo repórter “não toca em qualquer questão de segurança nacional”:
“Mas a lista dos funcionários abrangidos por esta lei é estabelecida por decreto ministerial. E não tem cessado de ser alargada, nos últimos anos. Isto torna o trabalho dos jornalistas cada vez mais complicado.” (...)
No quadro das suas funções, um jornalista “dispõe da protecção das fontes”; mas a França “tem tido muita dificuldade em adoptar a lei sobre esta matéria”.
“Foi necessário que o país fosse condenado por várias vezes, pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, para que uma primeira lei, a Loi Dati, viesse à luz em 2009. Esta foi revista por várias vezes depois disso. E desde 2016 ficou inscrita no Artº 2 da Lei de 1881. Diante destas garantias, são usados outros meios para conhecer as fontes, ou, pelo menos, dissuadi-las de falar...”
Interrogado sobre se não se trata, aqui, do chamado “processo mordaça”, Eveno admite:
“Sim, há uma crescente ‘judicialização’. Estes processos visam dissuadir os jornalistas de fazerem investigação. E as convocatórias das últimas semanas pela DGSI, nomeadamente de jornalistas do Disclose, pelas revelações sobre vendas de armas na guerra do Iémen (...) assemelham-se também a isso. Trata-se claramente de intimidação. O objectivo é o de encontrar as fontes dos jornalistas. E de as silenciar.” (...)
Sobre a violência policial contra jornalistas, em manifestações dos gilets jaunes, acrescenta:
“Os jornalistas são apanhados por uma tenaz entre as questões de segurança, pelo lado da polícia, e a violência de determinados gilets jaunes, que se encontram em negação da expressão democrática. Quanto a mim, estas violências policiais estão ligadas a uma ausência de reflexão sobre a manutenção da ordem, no nosso país. A polícia está estruturada para ser repressão. E os jornalistas tornam-se apenas vítimas colaterais.” (...)
“Para alguns, o jornalista tornou-se suspeito. Esses são os que desejariam que ele divulgasse informações que lhes agradam, e não aceitam que divulgue as que não lhes agradam. Mas não é essa a sua função. O jornalista é um intermediário, portanto media, que procura a veracidade das informações. Isto é um problema porque, diante das pressões, os jornalistas não dispõem de muito apoio. E as suas reacções passam por corporativismo...” (...)
Patrick Eveno declara neste ponto que, na sua qualidade de presidente do ODI – Observatoire de la Déontologie de l’Information, defende a criação de um Conselho de Imprensa:
Mas, “visto que ele foi reclamado [também] por Marine Le Pen, ou por Jean-Luc Mélenchon, toda a gente tem a impressão de que serviria para enquadrar os jornalistas e, portanto, limitar a liberdade da Imprensa”.
“Do nosso ponto de vista, pelo contrário, trata-se de uma instância de defesa da mesma. Não seria questão de intervir nas escolhas editoriais. Este Conselho permitiria garantir ao público que uma informação é válida porque foi obtida segundo as regras do ofício, respeitando o contraditório, por exemplo.”
“Os jornalistas não respondem o suficiente às críticas que lhes são dirigidas. Nós consideramos que é necessário fazer pedagogia junto do público. Trata-se de uma instância de auto-regulação que os cidadãos poderiam aproveitar.”
“É preciso restaurar a confiança em relação aos jornalistas, porque a opinião deve apropriar-se do que a Imprensa lhe traz. O Conselho poderia evitar os processos, desempenhando, a montante, o papel de mediador, em caso de litígio. Isto poderia dissuadir alguns de multiplicarem processos contra os jornalistas, para os esgotarem financeiramente.” (...)
“Estes Conselhos já existem, há dezenas de anos, por vezes há mais de meio século, em muitos países. Na Europa há vinte Conselhos de Imprensa, e em países claramente democráticos, como a Inglaterra, a Bélgica, a Suíça, a Holanda, a Suécia. Trata-se de um instrumento de diálogo com o público, nestas democracias. E a confiança nos media é lá bastante melhor.”
“A condição indispensável é que este Conselho não tenha qualquer ligação com o Estado. É imperativamente necessário que os jornalistas, as empresas de Imprensa e o público estejam representados.”
Mais informação em L'Obs, no Libération e no nosso site.