Um artigo do Media Freedom Rapid Response (MFRR) analisa o estado da liberdade de imprensa em Itália sob o governo de Giorgia Meloni, denunciando uma escalada de ameaças físicas, políticas e judiciais contra o jornalismo independente.  

Inserido numa série publicada pelo International Press Institute (IPI), o texto alerta que “a pressão contra a liberdade de imprensa na Itália está a crescer de forma preocupante”. 

Segundo a autora do artigo, Francesca De Benedetti, editora do jornal italiano Domani, esta degradação não surgiu do nada, mas é o resultado de uma “aceleração” num processo já em curso de hostilidade institucional e mediática contra jornalistas e meios de comunicação críticos. A captura da emissora pública RAI é apresentada como um dos aspectos mais graves: “Os esforços contínuos para minar a independência e capturar a emissora pública RAI têm despertado a preocupação de várias organizações que monitorizam o pluralismo dos media”, observa o texto, sublinhando que esta prática segue um padrão consistente com o observado em países como Hungria e Eslováquia. 

O artigo descreve com particular gravidade o atentado com carro-bomba contra o jornalista de investigação Sigfrido Ranucci, apresentador do programa Report, que “explodiu 20 minutos depois de a filha de Ranucci ter estacionado o carro”. Embora não tenha havido feridos, o próprio jornalista afirmou que “isso foi um salto qualitativo” nas intimidações de que já era alvo. 

Mesmo com manifestações públicas de solidariedade por parte da comunidade política italiana, o texto denuncia que tais gestos foram “hipócritas”, nas palavras de Vittorio Di Trapani, presidente da Federação Nacional da Imprensa Italiana (FNSI), uma vez que “quatro dos 28 episódios do programa foram mesmo retirados da programação televisiva deste ano”. 

Em 2023, Ranucci foi “intimado pela Comissão Parlamentar para a direcção geral e supervisão da radiodifusão e televisão”, acto que as organizações da Media Freedom Rapid Response classificaram como “mais uma prática de intimidação contra um programa de televisão independente cujas reportagens têm sido críticas a vários membros do actual governo”. 

O texto realça que a estratégia de deslegitimar o jornalismo de investigação inclui acusações de agir “contra o interesse nacional” ou de servir “interesses políticos específicos”. 

Este aumento dos ataques reflecte-se no relatório Media Pluralism Monitor (MPM) de 2025, publicado antes dos atentados com carros-bomba, que já afirmava que “houve um aumento das ameaças e intimidações contra jornalistas, bem como vários casos que revelam graves deficiências na protecção das fontes jornalísticas e dos próprios jornalistas”. 

Além da violência física e da perseguição judicial, o texto destaca ainda o uso de spyware contra jornalistas. Itália é “o Estado-Membro da UE que registou os casos mais recentes de ataques com spyware contra jornalistas no último ano”. O editor-chefe da Fanpage, Francesco Cancellato, revelou que o seu telemóvel foi infectado com um software de espionagem criado pela empresa israelita Paragon Solutions, e que outros colegas, como Ciro Pellegrino, também foram visados. 

Cancellato denuncia que “o governo de Meloni está a enterrar a cabeça na areia. Decidiu não abordar quaisquer questões ou preocupações sobre o que aconteceu”, acrescentando que, “em vez de sermos reconhecidos pelas instituições como jornalistas vítimas de spyware, passamos por um isolamento político como se fôssemos inimigos”. 

A autora do artigo salienta que nenhum responsável foi identificado e responsabilizado, comparando com a Hungria de Orbán, onde jornalistas também foram espionados com o programa Pegasus. 

Por último, Francesca contrasta as novas medidas da União Europeia em defesa da liberdade de imprensa com o comportamento de Itália, que “está a avançar na direcção oposta”. A UE aprovou a Directiva anti-SLAPP (para combater processos judiciais abusivos contra jornalistas) e a Lei Europeia da Liberdade dos Meios de Comunicação Social (EMFA), em vigor desde Agosto. 

“Em 2024, após monitorizar 41 países, a Coligação contra SLAPPs na Europa (CASE) relatou que Itália é o país que monitoriza com o maior número de acções judiciais estratégicas contra a participação pública”, refere o texto. 

A coordenadora Sielke Kelner alertou que o país enfrenta “um recurso cada vez mais alarmante a esta forma de assédio judicial” por parte de “funcionários públicos de alto e muito alto nível”, sinal de “uma crescente intolerância da coligação governamental em relação a qualquer forma de crítica”. 

Além disso, Itália não transpôs para o seu direito interno a Directiva 1069/2024 da UE, conhecida como “Lei de Daphne” — uma referência à jornalista maltesa Daphne Caruana Galizia, assassinada em 2017. “As autoridades italianas não fizeram nada para implementar as novas obrigações da UE”, afirmou Di Trapani, da FNSI, ignorando o artigo 5.º da EMFA, que obriga à independência editorial dos meios públicos. 

O bloqueio institucional da RAI é descrito como um instrumento de controlo político: “A RAI está sem um presidente eleito de acordo com a lei há mais de um ano, e o mandato dura três anos”, afirma Di Trapani, acusando a maioria e o Governo de quererem “impor um nome, mas não têm votos suficientes para o fazer e, por isso, estão também a bloquear o trabalho da comissão parlamentar que supervisiona a RAI. Assim, essencialmente, o Governo está a bloquear o Parlamento até conseguir o que quer, e o Parlamento não pode supervisionar a RAI”.

(Créditos da imagem: EPA/GIUSEPPE LAMI - imagem retirada do site do MFRR)