Para os restantes parisienses, que eram quase todos, as duas principais fontes noticiosas eram o “bouche à oreille” - o nosso “ouvir dizer” – ou certos locais de congregação, geralmente em jardins públicos como o das Tuileries e o do Luxemburgo, onde os “nouvellistes” (produtores de “nouvelles”, precursores dos futuros “jornalistas”) partilhavam as últimas novidades com os seus ouvintes. O mais popular desses centros parisienses de difusão de notícias, durante os primeiros três quartéis do séc. XVIII, era a “Árvore de Cracóvia”, um frondoso castanheiro na grande alameda do Palais Royal criada pelo cardeal Richelieu.

A origem da apelidação de “Cracóvia” não é pacífica, mas a tese mais aceite nada tem a ver com a cidade polaca do mesmo nome. Dois séculos e meio antes da nossa actual obsessão com as “fake news” já muitos parisienses tinham descoberto que muitas das “nouvelles” difundidas pelos “nouvellistes” eram pura ficção, e tinham um nome para elas: eram “craques” ou “craqueries”, e os seus criadores ou propagadores eram os “cracovistes”. " O grande castanheiro do Palais Royal, celebrizado por Voltaire no Canto VII de La Henriade ["... Et des débiteurs de gazettes, de ces nouvellistes enfin … De ces hâbleurs passant leur viedessous l'arbre de Cracovie”]  deveria portanto o seu nome à prolixidade das “craqueries” divulgadas à sua sombra."

A legenda de uma gravura da época dedicada à “Arbre de Cracovie” dá uma ideia da variedade de interessados que ali acorriam, incluindo “nouvellistes sans partialité” - provávelmente a informação mais duvidosa de todas.   

O rápido declínio, desde o princípio deste século, da imprensa impressa praticada por profissionais treinados, e correspondente alastramento da comunicação noticiosa através das redes sociais, praticada em larga medida por aqueles que antigamente eram apenas leitores, leva a crer que assistimos ao renascimento e multiplicação das árvores de Cracóvia, agora enraizadas na tecnologia electrónica.

Em artigo publicado em 2 de Maio no site de estudo e análise dos media NiemanLab, John Maxwell Hamilton (professor de Jornalismo na Louisiana State University) e Heidi Tworek (professor de História Internacional na Universidade de British Columbia) são da mesma opinião. 

No princípio do último decénio do século passado, o sector da comunicação social americana – imprensa, rádio e televisão – empregava mais de 450 mil pessoas. Até ao princípio do ano passado, ou seja, passados 26 anos, mais de metade desses postos de trabalho tinham desaparecido, e o sector empregava pouco mais de 170  mil pessoas.


Hamilton e Tworek defendem que o alarme em torno dessa vertiginosa quebra do sector se deve em grande parte à ilusão de que a prosperidade dos media impressos durante os 40 anos que se seguiram à 2ª Guerra Mundial era o “estado normal” das coisas, quando na realidade terá correspondido a um período excepcional na história da comunicação social nos quase seis séculos desde a invenção da imprensa.

Os primeiros jornais, aparecidos no séc. XVII,  não tinham como objectivo principal a difusão de notícias, e muito menos a difusão de notícias “equilibradas” (em que pontos de vista opostos são igualmente divulgados) e “objectivas” (em que as informações são verificadas para garantir a sua veracidade). Os primeiros jornais eram instrumentos de propaganda comercial ou política dos seus donos, e não só apresentavam uma versão selectiva dos factos como deliberadamente exageravam e dramatizavam as “notícias” para produzirem o efeito desejado nos seus destinatários.

Como Hamilton e Tworek apontam, o aparecimento do “jornalismo equilibrado” deveu-se à  percepção de que ele daria aos jornais a possibilidade de atrairem um público mais vasto e de assim se tornarem económicamente viáveis. Ou seja, foi uma decisão de estratégia comercial que pouco ou nada teve a ver com noções éticas de imparcialidade. Na prática, essa filosofia traduziu-se numa lucratividade excepcional: na segunda metade do séc. XX, os jornais americanos tiveram margens de lucro médias de 12 por cento, e alguns chegaram aos 30 por cento – durante um período em que supermercados e grandes armazéns se davam por contentes com quatro por cento. Foi também durante esse período que a publicidade chegou a suportar cerca de 80 por cento do custo de operação dos jornais, enquanto os leitores suportaram os outros 20 por cento.

Foram precisos mais de três séculos – até meados do séc. XIX – para que a imprensa escrita se tornasse o método mais popular de difusão de notícias. Antes da “idade de ouro” que se seguiu, as “notícias” propagavam-se através do “ouvir dizer”, de anedotas, de canções e de boatos com alguma verdade e muita distorção.

Nas plataformas da net como o Twitter, Facebook e outras, pratica-se, como na  Árvore de Cracóvia, uma espécie de “vale tudo” pseudo-noticioso, na ausência do tradicional filtro constituído pelos profissionais da informação, cujo treino exige precauções elementares, como a corroboração das fontes, antes de soltar “notícias” de origem duvidosa.

O modelo de jornalismo moderno americano que emergiu cerca de 1840 e imperou durante os 160 anos seguintes, até ao fim do milénio passado, está em vias de extinção, não apenas por ter sido suplantado pelas plataformas electrónicas, mas também porque é extremamente dispendioso e as receitas de publicidade que o sustentavam escasseiam cada vez mais.

Os poucos jornais americanos que mantêem corpos redactoriais na casa das centenas e delegações em várias cidades no país e no estrangeiro, embora reduzidas; que continuam a investir em jornalismo de investigação – só possível com um ou mais repórteres dedicados a um único projecto durante semanas ou meses; e que continuam a empregar jornalistas especializados em disciplinas tão diversas como desporto e ciência, saúde e economia, política e arte, dependem cada vez mais dos seus leitores para suportar o seu funcionamento. Uma assinatura anual da edição impressa do The New York Times já ultrapassa os mil dólares.  A médio ou longo prazo, é previsível que o NYT e outros jornais de primeira grandeza, com conteúdo original, se tornem acessíveis apenas a uma distinta  minoria com posses para os comprar – como aconteceu até meados do século XIX.

No final do seu artigo, Hamilton e Tworek exprimem a esperança de que pelo menos alguns dos jornais que praticam um jornalismo responsável consigam sobreviver, em coexistência  com outros modelos de informação noticiosa, e afirmam o imperativo de preservar “um jornalismo fiável, de alta qualidade”.

É a mesma ideia que dois jornalistas veteranos, Charles Sennott e Steven Waldman já tinham posto em prática, ao lançarem em 2017 um projecto sem fins lucrativos designado Report for America https://www.reportforamerica.org/, cujo objectivo é combater a redução dos corpos redactoriais da imprensa local americana, colocando até 2022 cerca de mil jóvens jornalistas em redacções afectadas pela perda de efectivos. Os primeiros já começaram a ser colocados este ano.

Sennott, de 55 anos, com extensa experiência jornalística nacional e internacional, director executivo do website de jornalismo The GroundTruth Project http://thegroundtruthproject.org/, é um dos fundadores do website noticioso GlobalPost e foi chefe das delegações do The Boston Globe no Médio Oriente (em Jerusalém) e na Europa (em Londres). Waldman, de 55 anos, foi conselheiro do presidente da Federal Communications Commission (FCC) e um dos fundadores do website Beliefnet, dedicado à informação religiosa e ao diálogo entre religiões.

Report for America é uma parceria entre o The GroundTruth Project e o Google News Lab https://newsinitiative.withgoogle.com/google-news-lab, com o apoio de várias fundações dedicadas ao futuro do jornalismo. Jornalistas em início de carreira que se candidatam são  seleccionados e treinados pelo programa, e colocados durante um a dois anos em jornais locais com falta de repórteres. Durante esse período os seus salários são pagos pela organização e pelos seus patrocinadores.

Tendo em conta as dezenas de milhares de jornalistas que a imprensa americana tem perdido no último quarto de século, mil novos repórteres parecem uma gota de água no oceano. Mas se ajudarem a prolongar a existência de alguns jornais em risco de desaparecer, o dia em que outras tantas comunidades ficarão reduzidas à Árvore de Cracóvia, para saberem o que se passa, terá sido adiado por algum tempo.