Jornalismo e agências de comunicação
Governantes e autarcas dispõem, assim, de um assinalável conjunto de jornalistas, em muitos casos na situação de requisitados, nos termos da legislação em vigor (o que significa que regressam às redacções de origem, quando cessam funções esses gabinetes), cuja missão é a de seguirem o que se edita sobre as personalidades a quem prestam serviços, elaborarem press releases ou, em situações de crise, desenharem estratégias mediáticas e aconselharem as melhores opções, prevalecendo-se dos seus contactos.
O modelo não é muito diferente do adoptado pelas agências de comunicação, que acrescentam à gestão de crises, a preparação de entrevistas, posteriormente distribuídas, criteriosamente, pelos meios mais receptivos.
Não é inédito, por isso, observar a publicação de entrevistas, quase idênticas, em diferentes jornais, com dias de intervalo, e sempre com a mesmo actor, politico ou empresarial.
Com estas práticas, sobejam os exemplos de empresas de comunicação que floresceram, algumas tituladas por antigos jornalistas, que exibem com orgulho os seus portfólios de clientes.
“Dizem que são as agências de comunicação que fazem as rádios, jornais e televisões. Quem inventou isso é um grande consultor de comunicação. Até já ouvi dizer que há coisas que são escritas nas agências de comunicação para depois saírem nos jornais”, referiu nesse colóquio Paulo Baldaia, actual director do Diário de Notícias. E qual é a sua dúvida? Não “fazem”, mas contribuem em elevado grau para a Agenda dos media, não faltando os exemplos de textos preparados nas agências que são publicados na íntegra. Ou de entrevistas, editadas nas agências, para posterior transmissão em rádios e televisões.
Mais surpreendente, contudo, foi a intervenção de Mafalda Anjos, recém-nomeada directora da revista Visâo. Depois de defender que as consultoras “devem seguir valores éticos e deontológicos” a jornalista aconselhou as agências a “dar informação válida e a tempo”. É um conceito original este de converter as agências de comunicação, que defendem naturalmente os interesses dos seus clientes, em fontes legitimadas de informação.
E a nova directora do semanário do grupo Balsemão, completa o seu raciocínio deste modo: “Se pedimos uma primeira mão ou um exclusivo têm de o ser. Temos de saber quem vai estar numa conferência de imprensa”.
Mais adiante, utilizando uma figura curiosa para exprimir o seu rebuscado pensamento, conclui que se está perante “uma relação a três. É uma relação dos jornalistas com as empresas, instituições e figuras públicas, e depois assessores e agências de comunicação. Os problemas começam quando estas entidades, que estão no meio, se preocupam mais em servir a empresa e se esquecem dos interesses e necessidades dos jornalistas. Quando fazem o seu trabalho como deve ser são um auxiliar poderoso para os jornalistas”.
Nesta insólita mènage a trois, a jornalista ainda concede que “os problemas começam quando estas entidades, que estão no meio, se preocupam mais em servir a empresa”. Mas qual é a sua perplexidade se é exactamente para isso que são pagas? Santa ingenuidade.
De facto, as agências nunca são “um auxiliar poderoso para os jornalistas”, a quem cabe desenvolverem o seu trabalho, sem se encostarem a fontes, cujo principal objectivo é servirem-se dos jornalistas para alcançarem os melhores resultados.
Os excertos das intervenções reproduzidos pela revista promotora do evento, constituem, em si mesmo, uma amostra bastante elucidativa acerca da perversão de princípios e de valores que vai por aí, o que explicará, em boa parte, a deficiente qualidade do jornalismo praticado, responsável pela quebra consecutiva das tiragens dos jornais e da sua influência no espaço público.
O divórcio dos leitores promete continuar, enquanto prevalecerem entre responsáveis editoriais ideias e convicções tão bizarras e perigosas como algumas que surgiram neste colóquio.