Pela primeira vez desde 1988, o jornal norte-americano Washington Post (WP) decidiu não manifestar o seu apoio a nenhum dos candidatos presidenciais, noticiou a rádio pública NPR no passado dia 25 de Outubro. Na sequência deste anúncio, o jornal já perdeu mais de 250 mil assinantes.

A decisão foi anunciada num editorial assinado pelo director-geral do WP, William Lewis.

“O WP não apoiará nenhum candidato presidencial nestas eleições. Nem o fará em eleições presidenciais futuras. Estamos a regressar às nossas raízes de não apoiar candidatos presidenciais”, lê-se no início do artigo.

“Estamos conscientes de que isto será lido de muitas maneiras, incluindo como um apoio implícito a um dos candidatos, ou a rejeição do outro, ou como uma evasão às nossas responsabilidades”, reconhece Lewis, acrescentando que não é assim que a chefia editorial do jornal vê a situação.

“Acima de tudo, o nosso papel, enquanto jornal da capital do país mais importante do mundo, é ser independente”, afirma o director-geral.

O chamado “endosso” (“endorsement”) é um hábito na imprensa dos Estados Unidos, com o conselho editorial dos jornais a posicionar-se relativamente aos candidatos que concorrem às eleições. Os proprietários dos títulos têm habitualmente conhecimento do endorsement antes de este ser publicado.

Para as eleições deste ano, por exemplo, o New York Post, detido por Rupert Murdoch, manifestou o seu apoio ao candidato republicano, Donald Trump. Já o conselho editorial do The New York Times expressou o seu apoio à candidata democrata, Kamala Harris.

Segundo o WP, o bloqueio ao endosso do WP destas eleições veio de Jeff Bezos, bilionário fundador da Amazon e proprietário do jornal desde 2013, já depois de existir um rascunho para o texto de apoio a Kamala Harris.

Também no Los Angeles Times, o proprietário do jornal, Patrick Soon-Shiong, impediu o conselho editorial de publicar o seu endorsement a Kamala Harris.

Há 36 anos (desde 1988) que o WP publica o seu apoio a algum candidato, embora até à década de 1980 o mais comum fosse não fazer qualquer endorsement.

Nas eleições de 2008, 2012, 2016 e 2020, três delas já sob a propriedade de Jeff Bezos, o WP apoiou os candidatos presidenciais democratas.

Num artigo de opinião de Jeff Bezos em resposta à polémica, publicado no passado dia 29 de Outubro, o bilionário argumenta que a decisão se deve à crescente falta de confiança das pessoas nos meios de comunicação social tradicionais e à necessidade de o jornal se mostrar neutro.

“A maioria das pessoas acredita que os meios de comunicação social são parciais. Quem não vê isso está a prestar pouca atenção à realidade e quem luta contra a realidade perde”, lê-se no artigo.

Repercussões da decisão

Logo após o anúncio do WP, o colunista e editor-geral Robert Kagan apresentou a sua demissão como forma de protesto.

Um grupo de 17 colunistas do WP assinou um artigo de opinião a apontar o dedo aos responsáveis do jornal: “A decisão do Washington Post de não manifestar o seu apoio a um candidato nesta campanha presidencial é um erro terrível”.

Também ex-editor executivo Martin Baron, que esteve à frente da redacção durante toda a presidência de Trump, criticou duramente a decisão, classificando-a como uma cedência de Bezos à pressão de Trump.

Os lendários repórteres do jornal Bob Woodward e Carl Bernstein, conhecidos por terem reportado o caso Watergate, juntaram-se ao coro de críticas.

Entre os dias 25 e 29 de Outubro, mais de 250 mil leitores cancelaram a sua subscrição, o que corresponde a cerca de 10% dos leitores com assinatura digital, de acordo com o próprio WP.

A NPR lembra que Bezos tem contratos multimilionários com o governo federal dos EUA nas suas outras áreas de actividade económica, estando em jogo os negócios da Amazon, bem como a sua empresa espacial, Blue Origine.

O empresário nega que haja qualquer interferência dos interesses comerciais nas decisões do jornal.

As eleições presidenciais nos EUA realizam-se na terça-feira, dia 5 de Novembro.