Confiança e credibilidade dos “media” dependem da verdade do jornalismo
Num artigo publicado no “Columbia Journalism Review,” o jornalista Kyle Pope relembra a que, há quatro anos, o CJR publicou uma revista impressa intitulada "How They See Us” [“Como eles nos veem”, em português], que abordou a discrepância entre a percepção dos jornalistas pelo mundo e sua autopercepção.
A edição, conta, foi publicada em plena administração Trump – que tornou a difamação da imprensa uma parte central das suas políticas, o que acabou por se traduzir em baixos índices de confiança nos “media” e numa crise de confiança entre jornalistas.
Pope observa que se muitos americanos não confiarem nas notícias, o propósito do jornalismo pode ser posto em causa.
Por isso mesmo, o autor questiona se valerá a pena “continuar a tentar conquistar a confiança de um público que, em grande parte, parece resistente à imprensa”, enfatizando que a questão da confiança nos “media” é mais do que apenas um problema comercial – já que o jornalismo também é um empreendimento de dever cívico.
“Os jornalistas há muito que pensam que temos um acesso único a uma verdade maior e, se os outros não a conseguem ver ou não a aceitam, nós continuamos, presunçosamente satisfeitos por sabermos que a razão está do nosso lado. Não creio que seja exagero dizer que, se essa atitude não mudar, o jornalismo, tal como o conhecemos, pode não sobreviver. Precisamos desesperadamente dos nossos leitores; não existe um modelo de negócio viável que não conte com as receitas das assinaturas ou dos membros como um elemento central”, escreve Pope.
Contudo, considera “um erro”, além de “uma falta de visão”, enquadrar a necessidade de reparar a relação entre a imprensa e o público em geral como um “problema essencialmente comercial”.
“Se não estivermos dispostos a dialogar com as pessoas sobre a forma como elas nos veem, não conseguimos perceber o mundo tal como ele é e não conseguimos fazer o nosso trabalho”, justifica.
Pope salienta ainda que a democracia está sob ameaça, a crise climática é iminente e a que a desinformação se está a espalhar e que o jornalismo desempenha um papel crucial na abordagem dessas questões.
“Trump, o candidato anti-democracia, está a aguentar-se na maioria das sondagens nacionais, há muito pouca pressão pública sobre os governos para que mudem as suas abordagens à energia e enfrentem a emergência climática, e os monopólios tecnológicos continuam a dominar”, critica.
O autor destaca também que, apesar dos desafios, os jornalistas continuam a relatar incansavelmente essas questões, mas que "muitas vezes parece que suas histórias caem no vazio. A angústia existencial no jornalismo aumentou nos últimos anos, à medida que as redações diminuem e fecham, e os agentes da desinformação se tornam mais audaciosos.
“A nossa única resposta é continuar a fazer o que estamos a fazer, concentrando-nos menos nos resultados do nosso trabalho e mais na importância de dizer a verdade ao nosso público. É a única parte de todo este processo confuso que controlamos”.
Nesta que é a sua última “opinião” como editor do CJR, ao fim de sete anos, Pope relembra que vai abandonar o procjeto para dedicar toda as suas “energias a melhorar a cobertura jornalística da crise climática, no ‘Covering Climate Now.’”
Mas, antes de terminar a sua última coluna, deixa algumas sugestões, sugere: Cortar os laços que ainda existem com o Twitter, uma vez que já não contribui para um público informado; tendo-se tornado numa das principais fontes de desinformação.
Outra sugestão que deixa é para que se saia do “bunker”, referindo que os jornalistas têm de encontrar outras formas de se relacionarem com pessoas que não compreendem: “procurem pessoas e instituições que não vos leem. Envolva-se em notícias e análises que o deixem desconfortável. O seu jornalismo será melhor por isso”.
“Não preste atenção às métricas de audiência”. Pope refere que muitos jornalistas “perdem a fé no que fazem quando parece que ninguém lê o seu trabalho, ou quando o trabalho que fazem não tem o impacto que pensam que deveria ter”. Mas relembra: “Temos de pensar nisto como um jogo muito mais longo”, salientando que o essencial é ter uma “noção clara do que quer dizer e porque é que é importante” e acabará por encontrar um público.
“Separar-se do grupo dos media”. Os ataques à imprensa criaram uma mentalidade de “bunker” entre os repórteres, segundo o autor que refere que, apesar de esta relação poder ser benéfica, é preciso que os jornalistas se lembrem que o seu papel é “servir o nosso público” e que “é com essas pessoas que devemos estar de braços dados”.
“Lembre-se que a reacção às histórias não é pessoal”. Pope apela a que mantenham a ideia de que “se as audiências não se interessam pelo que faz, provavelmente não é porque não gostam de si”, e que, “por vezes, têm um problema político com o seu órgão de informação” ou até “não estão a perceber a história porque não encontrámos uma forma de a fazer ressoar junto deles”. O autor defende a necessidade de abordar este problema com uma mente aberta e com a determinação de nos ligarmos para colmatar o défice de confiança no jornalismo.
“Acredito no poder e no objectivo do jornalismo. Foi por isso que entrei nesta actividade na escola primária. Mas muitos de nós ficaram com medo: de que o nosso trabalho não seja importante, de que os nossos empregos estejam em perigo, de que as pessoas nos odeiem pelo que fazemos. Perdemos de vista a missão da nossa vocação, que, nesta altura da vida do nosso planeta, é mais importante do que nunca”, conclui.