Um artigo do Observador dá a conhecer uma velha tensão entre Donald Trump e a revista Atlantic. Na sequência do caso Signalgate, Jeffrey Goldberg, director da revista, foi convidado para uma conversa de grupo na plataforma de mensagens instantâneas Signal onde se discutiam os planos para bombardear alvos dos Houthis no Iémen, o Presidente norte-americano disse publicamente que não é um “grande fã” da Atlantic e que se trata de uma revista “à beira da falência”. 

As críticas de Trump são disparadas para vários lados e a Atlantic é um dos alvos. O Observador salienta que “a 17 de Março, mesmo antes do Signalgate, o chefe de Estado já insultava a revista que é propriedade de Laurene Powell Jobs, a viúva de Steve Jobs, fundador da Apple. “A Atlantic está a dar-se muito mal, a perder uma fortuna, e felizmente vai desaparecer num futuro não muito distante. Não tem qualquer credibilidade e seria melhor, em termos jornalísticos, acabar”, atacou o líder dos EUA na Truth Social

O caso Signalgate fez estalar o verniz, motivando “não só ataques mais duros à revista, como também ao director da revista”, que se tornou no principal alvo da administração Trump. “Escumalha”, “falhado” e “mentiroso” são alguns dos adjectivos atribuídos a Jeffrey Goldberg. 

Muitas destas críticas têm sido feitas pelo conselheiro de Segurança Nacional, Mike Waltz, que assumiu “total responsabilidade” por ter incluído o director da Atlantic na conversa de grupo, explicando o erro ao afirmar que guardou o número de Jeffrey Goldberg no seu telemóvel e que pensou que pertencia a outra pessoa. As justificações não se ficaram por aqui. Numa entrevista à Fox News, o responsável da Casa Branca assegurou que nunca falou com o jornalista, apesar de ter o seu contacto”, explica o Observador

Contudo, a versão do director da Atlantic é outra: garantiu à BBC que privou várias vezes com o conselheiro de Segurança Nacional, ainda que tenha recusado comentar os detalhes da relação, “deixando no ar a possibilidade de que Waltz possa já ter sido uma das suas fontes, sem nunca usar essa palavra”. Para além disso, foi divulgada uma fotografia em que os dois estiveram juntos num evento em 2021, na embaixada francesa nos Estados Unidos. 

Adam Penenberg, ex-jornalista e professor de Jornalismo na Universidade de Nova Iorque, explicou ao Observador que “a tensão já existe há anos” e que o Signalgate “é uma história de segurança nacional” que envolve vários membros da administração. 

O Observador destaca um outro escândalo que ocorreu na campanha eleitoral para as presidenciais de 2020. “Um artigo assinado pelo director dá conta de que o Presidente terá dito, antes de cancelar uma visita a um cemitério em Paris onde estavam enterrados fuzileiros navais mortos durante a Primeira Guerra Mundial, que os norte-americanos mortos em combate eram uns ‘falhados’ e ‘perdedores’. Num país que preza as Forças Armadas, a notícia teve um forte impacto mediático”. 

Donald Trump negou ter insultado militares, mas a acusação foi usada como “arma de arremesso” por Joe Biden na campanha. Recentemente, Trump relembrou o momento numa entrevista à Newsmax e voltou a criticar a Atlantic, chamando-a de “terrível” e alegando que publica notícias falsas. Ainda assim, vários órgãos confirmaram que a história dos insultos a militares era verdadeira e “uma das fontes que terá sido muito provavelmente ouvida por Jeffrey Goldberg veio a público confirmar a história”. 

Em 2023, John Kelly, ex-chefe de gabinete de Trump, descreveu o Presidente como alguém que pensa que os militares feridos ou capturados são “uns falhados”. 

O Observador assegura que “tudo isto mostra que Jeffrey Goldberg era próximo do núcleo duro da primeira administração Trump. Tendo em conta que foi adicionado a um grupo da plataforma Signal por Mike Waltz, é plausível que o director da Atlantic mantenha a mesma relação próxima com alguns dos actuais altos dirigentes da Casa Branca, apesar dos insultos que lhe são dirigidos”. 

Trump adopta diferentes estratégias para atacar a imprensa: tenta cortar financiamento de veículos públicos como a rádio NPR e a televisão PBS, enquanto insulta e descredibiliza a Atlantic, que é privada. No entanto, a relação entre a presidência e a Atlantic não parece estar completamente cortada. O especialista Adam Penenberg explicou ao Observador que “a relação tensa pode gerar dividendos para Donald Trump”, isto porque, para ele, “tudo é uma transacção” e “interage com os meios de comunicação social não por ideologia, mas com base na sua utilidade”. 

Segundo Adam Penenberg, o Presidente decide interagir com a imprensa se isso lhe for benéfico. “Caso a resposta seja positiva, o líder norte-americano interage com o órgão, podendo ter vários objectivos: “Dominar a narrativa, estimular a base eleitoral, humilhar os inimigos ou fazer o papel de vítima”. 

Um pouco da história da Atlantic 

Fundada em 1857 em Boston, a Atlantic era, inicialmente, uma publicação mensal, tendo reduzido sua frequência para cerca de dez edições anuais em 2001 e expandiu-se para o digital nos últimos anos. Sempre teve um “carácter cultural e literário no panorama mediático norte-americano". A partir de 2016, com Jeffrey Goldberg na direcção, “a publicação passou a assumir um papel de destaque no jornalismo político”. Neste contexto, endossou Hillary Clinton, classificando Trump como o candidato mais “desqualificado” da história dos EUA, acusando-o de ser “ignorante e indiferente à Constituição”. 

O apoio a Hillary Clinton marcou o início da cobertura intensiva da Atlantic sobre o trumpismo. Segundo Adam Penenberg, jornalistas como McKay Coppins, David Frum e Anne Applebaum “identificam e analisam os riscos que Donald Trump representa para as instituições democráticas, para o Estado de direito e para a liberdade de imprensa. A revista não se limita a noticiar o que Trump diz. Relata o que essas palavras significam, como se repercutem e porque são importantes”. 

Em 2024, a Atlantic publicou uma edição especial imaginando um mundo sob um novo governo Trump e apoiou Kamala Harris, como fez com Biden em 2020. No entanto, a derrota democrata “motivou uma resposta da revista”, conta o Observador

Com Trump de regresso à Casa Branca, o director da Atlantic anunciou novas contratações para reforçar a cobertura política. A revista contrariou a crise da imprensa escrita - registou lucro pela primeira vez em 2024 e atingiu um milhão de assinantes online

O New York Times destacou que Laurene Powell Jobs, viúva de Steve Jobs e apoiante dos democratas, acompanha de perto as mudanças na publicação, sendo ela amiga, conselheira e uma das principais doadoras da campanha de Kamala Harris. 

A turbulenta relação entre Trump e a imprensa 

“Com a Atlantic, a relação de Donald Trump é marcada pelo desprezo. O Presidente norte-americano sabe que ao atacar a revista está a ganhar pontos junto à base eleitoral; em paralelo, percebe que muito dificilmente conseguirá uma cobertura mais positiva pela revista”. 

O Observador refere que o chefe de Estado assume uma “posição de ataque”, uma atitude que cumpre o objectivo de domínio do ciclo noticioso: “Falando várias vezes à imprensa e escrevendo nas redes sociais, o Presidente norte-americano consegue obter mediatismo, quer esteja a elogiar, quer esteja a criticar um órgão de comunicação”, frisa Adam Penenberg. De acordo com o antigo jornalista, esta estratégia é usada de forma performativa, vendo os media como adversários, mas também enquanto amplificadores da sua narrativa. 

Recentemente, Trump atacou o New York Times na rede social Truth Social e insultou o correspondente do jornal na Casa Branca, Peter Baker, e Maggie Haberman, que acompanha de perto o Presidente. “Na base destas críticas está a cobertura noticiosa do diário nova-iorquino que o Presidente norte-americano considera ser injusta. Mas também está o facto de o líder dos EUA ler atentamente tudo o que é publicado sobre ele no jornal, principalmente o que Maggie Haberman escreve”.  

No livro Confidence Man: The Making of Donald Trump and the Breaking of America, a jornalista descreve que Trump tem dois tipos de comportamento com a imprensa: “O desejo insaciável de ter atenção e as suas declarações venenosas e zangadas como resposta à cobertura”. 

O New York Times, com nove milhões de assinantes, mantém a sua relevância global, e Trump, apesar de criticá-lo, reconhece a sua influência. Segundo Robert Y. Shapiro, se o Presidente procura dominar a cobertura mediática, não pode ignorar um jornal tão importante. Mark Feldstein, antigo jornalista e professor na Richard Eaton Chair of Broadcast Journalism, destaca ao Observador que, embora se posicione como antissistema, Trump “ainda quer saber o que [as elites] dizem sobre ele e sente a necessidade da sua aprovação”. 

À BBC, Jeffrey Goldberg desvalorizou os ataques de que tem sido alvo na sequência do caso Signalgate: “É o que costumam fazer. Nunca se defendem, atacam. Eu continuo aqui. Eles convidaram-me para um grupo do Signal e agora estão a atacar-me… Nem sequer entendo”. Para Adam Penenberg, a estratégia mediática é baseada no controlo da narrativa, da atenção e da percepção de legitimidade, e, apesar dos embaraços, tem sido “perigosamente eficaz”. 

(Créditos da imagem: site da revista The Atlantic)