O diário francês Le Monde lançou, em Março deste ano, uma funcionalidade na sua app para os assinantes do jornal: uma versão áudio de todos os artigos, com recurso a vozes feitas por computador.

O diário francês tem recebido bom feedback dos leitores, e alguns resultados mostram que os utilizadores que ouvem os artigos consultam mais notícias do que os que só lêem as notícias.

Numa entrevista ao The Audiencers, Lomig Coulon, gestor de produto do Le Monde, e Julie Lelièvre, gestora-adjunta de audiências, falaram sobre o nascimento deste projecto, o desenvolvimento do serviço e os seus primeiros resultados.

Como tudo começou

Antes de avançar para um projecto concreto, a equipa do Le Monde observou a tendência de crescimento do áudio nos últimos anos, tanto em França como nos EUA e nos Reino Unido, onde algumas publicações usam vozes de actores para ler os artigos.

“Foi em 2022, quando começámos a redesenhar a nossa aplicação móvel La Matinale, que o projecto ganhou forma. A missão da app é poupar tempo aos leitores graças a uma breve selecção de notícias. O áudio serve o mesmo fim”, começaram por dizer Lomig Coulon e Julie Lelièvre.

Os dois principais objectivos iniciais do projecto eram manter os assinantes que já o jornal já tinha, oferecendo-lhes outras formas de consumir os conteúdos, e conquistar novos subscritores através de serviços exclusivos.

No princípio, a funcionalidade só esteve disponível na app La Matinale, uma vez que esta tem menos leitores e, por isso, permite testar novos serviços com menos risco.

Mais tarde, quando os conteúdos em áudio passaram a estar disponível na app principal do Le Monde, a funcionalidade apenas ficou disponível para os assinantes.

A escolha da tecnologia

“Rapidamente eliminámos a opção da leitura por humanos. Nós publicamos mais de 100 artigos por dia e queríamos oferecer a versão em áudio assim que os artigos fossem publicados”, explicaram os responsáveis. “Neste contexto, a solução das vozes sintetizadas era óbvia”, acrescentaram.

Foram estudadas várias opções, mas a decisão recaiu sobre o serviço da Microsoft, tendo em conta a qualidade da voz. “Na altura, eles tinham a voz francesa mais convincente”.

Quanto ao software de player usado, o Le Monde optou por desenvolver o seu próprio produto, uma vez que as funcionalidades dos players de outras empresas eram muito limitadas. No player do Le Monde, os leitores conseguem aceder aos artigos que estão em escuta, mudar a velocidade de leitura e continuar a navegar no telefone enquanto a faixa continua a “tocar”.

Do texto à voz

A equipa criou quatro vozes personalizadas para a leitura dos artigos e, nos áudios, alterna vozes femininas e masculinas “para reter a atenção dos ouvintes”.

Além disso, um compositor criou “cortinas sonoras” para separar diferentes partes do texto.

Para a criação dos áudios, o Le Monde envia, todos os dias, os textos e uma série de configurações específicas para cada texto. O serviço da Microsoft envia de volta os ficheiros em formato áudio. Nessa altura, a equipa acrescenta uma introdução genérica — “Está a ouvir um artigo do Le Monde.” — e a faixa de som.

“Ao início, claro, ouvíamos primeiro os ficheiros um a um, para corrigir a pronúncia dos nomes próprios, os numerais, as palavras com hífen, etc. Hoje em dia, já não é assim: a versão áudio é publicada directamente. Só corrigimos se os leitores assinalam erros”, explicam.

A app indica claramente que a voz é de computador, mas a qualidade é tão boa, que a equipa conta que alguns leitores já foram levados a crer que são vozes humanas reais.

Alguns resultados

Desde que a funcionalidade foi lançada para todos os utilizadores na app principal do Le Monde, 30% dos assinantes usaram-na, pelo menos, uma vez por mês.

Outro resultado que parece claro até ao momento é que os leitores que usam a funcionalidade lêem mais artigos. Contudo, não é possível dizer se os utilizadores que ouvem os artigos se mantêm como assinantes durante mais tempo.

Quanto ao feedback dado pelos utilizadores, 80% dizem estar “satisfeitos” ou “muito satisfeitos” com o serviço.

Alguns comentários são muito encorajadores: “Grande iniciativa que me permite ouvir [os artigos] enquanto caminho!”, “É raro ver uma integração tão boa da voz sintetizada!”, “Foi esta funcionalidade que me convenceu a subscrever [o Le Monde]”, “Bravo, esta funcionalidade é óptima. Sou cego e adoro usá-la enquanto faço desporto”.

Olhando para o futuro

Uma vez que o desenvolvimento deste serviço é, “acima de tudo, uma questão de inovação e experimentação”, o Le Monde assume que não espera retorno do investimento no primeiro ano.

Mas, admitem os responsáveis, é possível calcular a medida em que esta funcionalidade contribui para o aumento ou manutenção de subscritores.

“Finalmente, é tecnicamente possível monetizar estes áudios com publicidade, embora ainda não se esteja a fazer isso. Contudo, a nossa agência está a considerar essa possibilidade no futuro”, concluem os entrevistados.

(Créditos da fotografia: ConvertKit no Unsplash)