O Reuters Institute apresenta num artigo a ideia de que a confiança nas notícias continua em declínio. De acordo com o Digital News Report mais recente, apenas 40% das pessoas inquiridas em 47 mercados afirmam confiar na maioria das notícias na maior parte do tempo. “Este facto pode estar a contribuir para que o público se desligue completamente das notícias ou gravite em torno de figuras não jornalísticas para se manter informado”, lê-se no texto cuja autoria pertence à jornalista Gretel Kahn. 

Curiosa para saber o que poderia ser a transparência radical no jornalismo e o que o público pensa dela, Gretel Kahn conversou com editores em Espanha, Suécia, Reino Unido e Estados Unidos da América que estão a experimentar diversas formas de aplicar a transparência no seu trabalho. 

A transparência aumenta a confiança? 

A ideia de que a transparência pode ajudar a recuperar a confiança nas notícias tem vindo a ganhar força. "A ideia é que se as publicações explicassem o seu processo, mostrando como são feitas as notícias, o público passaria a confiar mais nelas”.   

Quando questionadas sobre estratégias que podem aumentar a confiança, as audiências geralmente classificam a transparência como prioritária. Segundo estudos do Reuters Institute, práticas como explicar decisões editoriais são vistas de forma esmagadoramente positiva. 

Contudo, a jornalista alerta para o facto de os efeitos práticos não serem tão claros. O investigador Jussi Latval concluiu, num projecto próprio, que os resultados são ambíguos. Factores como a polarização política ou preconceitos culturais podem anular os potenciais benefícios. A confiança, afinal, não depende apenas do jornalismo: é moldada por dinâmicas sociais complexas. Assim, “a transparência é uma solução incompleta para um problema muito complexo”. 

Mesmo assim, as redacções às quais Gretel Kahn teve acesso continuam a apostar na transparência — não só como estratégia de confiança, mas também como um compromisso com a responsabilidade editorial. De seguida, elencamos as respostas de cada uma das redacções. 

Civio (Espanha) 

A Civio, uma agência noticiosa espanhola especializada em fiscalizar o poder público, sempre procurou assumir um compromisso total com a transparência, desde as finanças até à publicação das metodologias de investigação. 

“Fizemos isto desde o início por duas razões”, explicou Eva Belmonte, editora-chefe da Civio. “Por um lado, para criar confiança: esta ideia de que o que um jornalista escreve é sagrado já não se aplica; temos de provar que o que estamos a dizer é verdade. Por outro lado, é importante provarmos que o que estávamos a fazer era replicável”. 

“Muitas vezes cometemos erros”, admitiu Belmonte. “Mas se explicámos como chegámos à nossa conclusão e depois errámos, pelo menos explicámos o nosso processo. É importante que abandonemos esta aura. O facto de sermos jornalistas não significa que o que dizemos seja verdade.” 

Schibsted (Suécia) 

Na Suécia, a empresa de comunicação social Schibsted introduziu recentemente “caixas de ética” em artigos publicados com o intuito de explicar, dentro do próprio artigo, algumas das decisões editoriais tomadas. 

Martin Schori, editor-adjunto e director de inovação do Aftonbladet, disse que o conhecimento do público sobre o jornalismo e o processo jornalístico é sobrestimado: “Perdemos partes do público que podem nunca mais voltar por razões políticas. Não creio que ter uma caixa de ética nos artigos vá resolver esse problema. Mas penso que estas caixas podem atrair pessoas que são saudavelmente desconfiadas em vez de inimigas de primeira linha". 

Tangle (EUA) 

Nos Estados Unidos, o boletim informativo Tangle, fundado por Isaac Saul, concentrou esforços nas correcções. Mais de 90% das receitas da plataforma vêm de assinantes, com acesso a conteúdos de primeira qualidade, à secção de comentários e a informações privilegiadas sobre o negócio. 

"A primeira vez que um leitor escreveu e emitiu uma correcção no Tangle, no dia seguinte, no boletim informativo, coloquei-a no topo, numa secção impressa em negrito, que dizia apenas ‘correcção’, explicava qual era o erro, notificava as pessoas de que tinha actualizado a história e também explicava como tinha acontecido", disse o jornalista, acrescentando que esta correcção gerou “muitas reacções positivas entre o público”. 

O Tangle mantém um registo público das correcções que emite: à data da entrevista, estavam contabilizadas 132 correcções em 294 semanas. Para Saul, a honestidade é essencial — incluindo sobre os seus próprios preconceitos. O jornalista termina cada boletim informativo com a partilha da sua própria perspectiva. "Não estou a tentar dizer o que é verdade ou a fingir que a minha opinião é a correcta. Mas é um acto de transparência para mim dizer ‘aqui estão os meus preconceitos e de onde venho’”, disse Isaac Saul. 

The Markup (EUA) 

A organização de investigação The Markup disponibiliza no seu site uma secção chamada Show Your Work, onde são publicados métodos, bases de dados e técnicas estatísticas usadas em cada investigação. 

Sisi Wei, editora-chefe, explica que o objectivo não é apenas “por uma questão de transparência”, é também para permitir que outros verifiquem, repliquem e expandam as suas investigações. 

"Se vamos fazer estas investigações aprofundadas que combinam o jornalismo tradicional com a tecnologia e a forma como as fazemos, também queríamos ser transparentes sobre os passos exactos que estamos a dar, porque estamos a tentar ajudar as pessoas a compreender que se pode ser muito transparente como jornalista. Também quisemos garantir que qualquer pessoa que seja um analista de dados ou um programador ou alguém que seja um especialista no que estamos a fazer possa, de facto, replicar toda a nossa metodologia para o demonstrar", explicou Sisi Wei.  

A investigação sobre a desigualdade no acesso à Internet nos EUA é um exemplo desta prática. A equipa descobriu que bairros mais pobres tinham ligações mais lentas do que em bairros mais ricos, ao mesmo preço. Criaram um guia para que qualquer pessoa pudesse replicar a análise na sua comunidade. Mais de cinco mil pessoas participaram. 

Bellingcat 

No Bellingcat, uma organização especializada em investigações com base em fontes abertas, partilha metodologias e dados com a sua comunidade global. “Tratava-se de acrescentar informação útil ao ambiente de informação em torno destes tópicos, não só para divulgar o material, mas para que outras pessoas pudessem pegar nele e fazer as suas próprias coisas com ele”, disse o fundador, Eliot Higgins. 

O Bellingcat tem cerca de 30 mil membros activos no seu servidor de Discord, que contribuem com ideias, dados e, por vezes, investigações completas. Um exemplo foi o caso de um derrame de petróleo em Trinidad e Tobago. " Segundo Higgins, utilizando processos e plataformas que o Bellingcat tinha partilhado com o seu público, estas pessoas conseguiram seguir o tráfego marítimo e utilizar informações de satélite para ajudar a identificar os navios envolvidos no derrame de petróleo. O Bellingcat relatou esta história mais tarde, o que acabou por levar a Organização Marítima Internacional a investigar o derrame”.   

Os limites da transparência 

Apesar de todos os esforços, a jornalista Gretel Kahn salienta que existem “certos limites” para aquilo que a transparência pode fazer para reforçar a confiança: “Pelo menos duas das pessoas com quem falei mencionaram que preconceitos profundamente enraizados sobre as agendas dos media podem limitar a eficácia destes métodos, uma vez que o público vê frequentemente os esforços de transparência através dos seus preconceitos e lentes políticas existentes”. 

A pesquisa do Reuters Institute mostra que a transparência tende a reforçar a confiança entre quem já está predisposto a confiar, mas pode ter pouco impacto sobre os mais céticos. Além disso, Gretel Kahn diz que a maioria das suas fontes reconhece que só uma minoria do público se envolve, de facto, com as metodologias ou conjuntos de dados que lhes são facultados. “Ter esta informação disponível proporciona uma sensação de segurança em que o público pode testar o seu processo em vez de acreditar cegamente no seu trabalho. Uma parte significativa do público confia simplesmente no facto de saber que está disponível informação detalhada (como metodologia ou dados), mesmo que apenas uma pequena parte a leia em profundidade”. 

(Créditos da imagem: Unsplash)