A noção de Islamofobia deu lugar à realidade da Islamofobia. O texto de Roberto Savio começa pelos episódios das caricaturas de Maomé, e dos protestos que suscitaram, em 2006, para lembrar que, “na época, a posição oficial da União Europeia era de que não havia Islamofobia de forma alguma e que se tratava de um incidente isolado”. 

“Mas agora assistimos a uma autêntica negação da realidade. Durante três anos, manifestações maciças na Alemanha, principalmente em Dresden (dirigidas por um homem com antecedentes penais), vêm se sucedendo semanalmente sob a bandeira dos Pegida (Patriotas Europeus contra a Islamização do Ocidente).” 

“O congresso do AfD (Alternativa para Alemania – Alternative für Deutschland)  – um partido xenófobo e nacionalista que, em apenas dois anos, conseguiu ter representantes em oito estados da República Federal da Alemanha –  foi realizado no dia 30 de abril, recebendo pouco espaço nos meios de comunicação. (...)  Uma das resoluções declarou o Islão incompatível com a Europa, o que, consequentemente, implicaria a expulsão de todos os muçulmanos da Alemanha. O facto de que 87% deles vivem naquele país há mais de 15 anos e que, portanto, são claramente cidadãos alemães, perfeitamente integrados na sociedade e com seus direitos protegidos pela Constituição é um obstáculo que seria resolvido com uma reforma constitucional.” 

“Quando um jornalista, na entrevista colectiva, perguntou como se procederia para expulsar subitamente milhões de pessoas do mercado de trabalho, a resposta foi: Hitler fez isso com seis milhões de judeus, que estavam muito mais integrados e tinham mais poder, e não aconteceu nada.” 

O autor desenvolve, depois, o tema de que as chamadas “guerras de religião” tiveram, frequentemente, outras motivações menos sagradas: 

“Exactamente na véspera do congresso da AfD, a Islamofobia foi o tema central de uma bem-sucedida conferência organizada pelo Centro de Genebra para o Progresso dos Direitos Humanos e pelo Diálogo Global e pela missão do Paquistão na ONU. Notáveis oradores, como Idriss Jazairy, da Tunísia, Uhsanoglu, da Turquia, e Tehmina Janjua, do Paquistão, tomaram a palavra numa conferência em que participavam vários países para debater o tema da religião.” 

“Foram feitos esforços para demonstrar que o Corão não incita à violência e que a organização Estado Islâmico nada mais é que um desvio do autêntico Islão. Na realidade, todos os palestrantes muçulmanos  – uns sufis, outros sunitas –  teriam sido considerados apóstatas pelo Estado Islâmico e rapidamente executados. Nenhum representante do wahabismo ou do salafismo (a versão puritana do Islão) esteve presente.” 

Roberto Savio reconhece que o Islão passa por uma crise interna, entre as suas próprias tendências principais  -  assim como o Ocidente, cujas forças de extrema-direita o usam como pretexto e “bode expiatório”.  

Pelo lado do Islão, “não está claro quem irá ganhar esta luta interna, mas sem dúvida não será o Estado Islâmico  – e tampouco o wahabismo –  apesar das centenas de milhões de dólares investidos pela Arábia Saudita para a criação de mesquitas com imames radicais pelo mundo todo. O Islão continuará sendo uma religião com diversas correntes, que aprenderão a coexistir. Mas ninguém sabe quanto tempo levarão para fazê-lo”. 

Pelo lado do Ocidente, “a mensagem da direita radical foi a de um ontem melhor: voltemos a uma Europa pura e ordenada e vamos acabar com os burocratas de Bruxelas, que nos tornam a vida impossível. O nacionalismo e o populismo estão de volta. Vamos acabar com o euro, recuperemos nossa soberania monetária e vamos expulsar todos os estrangeiros, que estão destruindo o mundo que conhecíamos. (...)  Nesse contexto, o nacionalismo e o populismo acham muito conveniente juntar a xenofobia, que se tornou Islamofobia”. 

“No entanto, um facto inegável é que não podemos voltar à Europa de antigamente. No ano 1800, a Europa constituía 24% da população mundial e no final deste século representará apenas 4%. (...)  A Europa vai perder 50 milhões de habitantes em três décadas. O sistema de aposentadoria desmoronou e não tem como ser substituído. É possível imaginar 50 milhões de imigrantes cristãos? E por que, até poucos anos atrás, ninguém se queixava dos 20 milhões de muçulmanos vivendo na Europa? Sem uma política de imigração, como ignorar que o número total de pessoas que vivem fora do país em que nasceram é hoje de 240 milhões, o que equivaleria ao quinto maior país do mundo? Como selecionar e aceitar os que realmente necessitam?” 

A concluir, Roberto Savio afirma ainda:

“O Ocidente está fazendo o jogo do Estado Islâmico, cujo sonho é uma guerra entre religiões: obrigar os muçulmanos que vivem na Europa e nos Estados Unidos a optarem entre se converter em apóstatas, pondo-se ao lado do Ocidente apesar de sua rejeição, ou unir-se à luta pelo renascimento do Islão e à guerra contra os cruzados. Esta é sua estratégia.”  (...)

Roberto Savio é um jornalista ítalo-argentino, co-fundador e ex-director geral da Inter Press Service (IPS). Co-fundador do serviço jornalístico não lucrativo Other News 

O texto no Observatório da Imprensa e o original, no Other News