O que deve incluir um bom curso de jornalismo hoje em dia? Formação humanista sólida e especialização tecnológica são duas das ideias partilhadas numa reflexão sobre se os cursos de jornalismo da actualidade estão a preparar devidamente os alunos para o trabalho real nas redacções.

O texto, publicado nos Cuadernos de Periodistas, da Asociación de la Prensa de Madrid (APM), com a qual o Clube Português de Imprensa mantém uma relação de parceria, é referente à realidade espanhola, mas as reflexões têm pertinência também no contexto português.

Marcos Mayo-Cubero, autor do texto, explica que não pretende resumir as preferências mais comuns nem fazer um retrato exaustivo da área, mas sim representar a diversidade de visões partilhadas por professores e alunos de jornalismo, de diferentes graus de ensino e de várias universidades, privadas e públicas.

O que é preciso estudar para ser jornalista?

Se, para alguns, o jornalismo é “mais uma atitude do que uma mera acumulação de conhecimento”; outros lembram que um bom jornalista deve saber contar histórias, ter um pensamento bem estruturado e procurar sempre a verdade.

Esta profissão “consiste em falar de pessoas e de acontecimentos com o máximo respeito pela verdade. Quando esta é inalcançável, coisa que costuma acontecer, considera-se admissível o ‘salva-vidas’ da honestidade”, diz um dos participantes na reflexão.

Por seu turno, duas das pessoas lamentam a falta de espaço para a realização de reportagens durante o curso de jornalismo, tendo em conta que esta actividade é “o coração da profissão”. Os alunos querem sair mais à rua e interagir com as pessoas, defendem.

Todos os professores entrevistados concordam que a formação universitária em jornalismo deve conjugar conteúdos de cultura geral e conhecimentos técnicos. “Gosto de pensar no jornalista como um tecnohumanista, que domina as ferramentas com critério, é especialista nos temas que cobre, trazendo contexto e explicando o essencial da actualidade de forma apelativa e aprofundada”, resume um dos docentes.

Uma investigadora elogia o modelo em que os alunos podem articular, no curso de jornalismo, disciplinas de outras áreas, tais como Ciências Políticas, Economia ou Direito. Há também quem defenda um modelo de três anos de formação e um ano de estágio.

Para os docentes, os mestrados deviam ser frequentados, preferencialmente, por alunos com experiência profissional, o que não acontece frequentemente. No entanto, muitos alunos vêem este grau de formação apenas como “uma oportunidade para continuar a fazer estágios”.

O programa Erasmus Mundus Journalism é um exemplo de inovação, permitindo que os alunos desenvolvam competências jornalísticas em Copenhaga, no primeiro ano, e se especializem em cidades como Praga, Amesterdão, Londres ou Munique, no segundo ano.

Existe um fosso entre a universidade e as redacções?

“Esse desencontro existiu sempre, mas agora é mais acentuado. A aceleração tecnológica impede a actualização do conhecimento em pouco tempo, provocando uma maior distância” entre as aulas e a prática, defende uma catedrática.

Para superar esta lacuna, deviam ser reforçadas as parcerias entre a academia e as associações de jornalismo, considera outro docente.

Se alguns argumentam que as universidades deviam ir atrás dos temas mais prementes no mercado de trabalho, tais como as novas tecnologias, e trazê-los para os planos de estudo, outros alertam para alguns perigos desta abordagem.

“De que precisa mais a indústria: de jornalistas que tenham lido o Shakespeare ou que saibam programar? Se as faculdades estão muito dependentes da indústria, afastam-se da sua essência, que é ajudar que cada aluno tenha uma formação muito sólida”, reflecte um dos entrevistados.

Que disciplinas deviam integrar os novos planos de estudo?

A maioria dos professores concorda que a formação deve ter como base disciplinas com uma base humanista sólida.

“Com uma raiz mais forte, o aluno contará com as melhores asas para voar mais alto”, afirma um professor. “Só com uma ampla bagagem cultural se garante que na cabeça do aluno serão feitas as ligações necessárias entre uns acontecimentos e outros, entre o passado, o presente e o futuro”, diz outra professora.

A inclusão de disciplinas de inteligência artificial nos planos de estudos é “a única maneira” de os alunos serem relevantes no exercício da profissão, consideram alguns.

Além disso, “há que reforçar o jornalismo de análise de dados e a formação em visualização [de dados] para estimular a criação de conteúdos exclusivos”, defende uma professora.

Por seu turno, os alunos consideram que devia haver disciplinas que permitissem especialização noutras áreas, tais como videojogos, moda ou comunicação empresarial.

Quase 85% dos jornalistas concordam com esta última opção, considerando que as universidades deveriam incluir más disciplinas de comunicação empresarial, segundo dados da APM.

Uma professora especialista em narrativas transmedia sugere três linhas de formação: programação (machine learning, big data, etc.); questões éticas (deontologia, filosofia, etc.); e conhecimentos específicos da profissão (redacção, géneros jornalísticos, etc.).

Apesar da vontade de inovar, professores e alunos lembram que a legislação torna difícil e pouco ágil a actualização dos planos de estudos.

Os dez princípios da formação em jornalismo

Depois de apresentar uma reflexão auto-crítica dos professores sobre o seu próprio papel e algumas pistas sobre as características de uma aula ideal, o artigo dos Cuadernos de Periodistas termina, resumindo os dez princípios para o aperfeiçoamento da preparação dos alunos para a prática jornalística.

São eles: 1.  Dar prioridade à reportagem; 2. Garantir um compromisso com um jornalismo ético, responsável e honesto; 3. Potenciar o saber humanista global com inovação tecnológica; 4. Reforçar as competências de comunicação oral e escrita; 5. Fortalecer as parcerias entre a univeridade e a indústria; 6. Não romancear a realidade da profissão; 7. Apostar em mestrados de qualidade, com especialização e aprofundamento; 8. Actualizar conteúdos, metodologias e ferramentas digitais; 9. Fazer auto-crítica (no caso dos professores) e saber adaptar-se à mudança; e 10. Formar jornalistas anti-frágeis (“capazes não só de lidar com a incerteza, mas também de sair fortalecidos das experiências”).

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