Os paradoxos da RTP
Nos dias 25 e 26 de Abril, a RTP emitiu os dois episódios de um novo documentário de António Barreto, “Rumo à Liberdade”. O canal escolhido para essa estreia, feita quase sem divulgação, foi, por incrível que pareça, a RTP Memória.
O documentário mostra a visão de Barreto sobre o balanço do que aconteceu desde o 25 de Abril de 1974, uma ideia incómoda para muita gente que entende que “falta cumprir Abril”.
António Barreto é claro sobre essa ideia: “É uma tolice absoluta. O que Abril tinha para dar está dado: democracia, liberdade, libertação dos presos políticos… tudo o resto é o processo social normal, são as nossas escolhas.”
Esta ideia atrapalha muita gente, sobretudo à esquerda do PS, no Livre, no Bloco de Esquerda e no PCP.
Dito isto, convém elogiar o trabalho de dois quadros da RTP que permitiram, com o seu trabalho num caso, e a sua decisão noutro, que o documentário existisse: António Faria, um especialista na pesquisa dos arquivos da RTP, desencantou as imagens que constituíram o alicerce do trabalho depois desenvolvido por António Barreto; e Gonçalo Madaíl, porventura o mais ousado e criativo dos responsáveis de programas da RTP, convidou António Barreto a fazer o documentário e encomendou-o, assumindo os custos da produção no magro orçamento do canal que dirige, o RTP Memória.
Aqui começa outra história. Se a RTP fosse uma empresa onde as produções fossem coordenadas e não existisse uma guerra de capelinhas, a pesquisa de António Faria e a visão de Gonçalo Madaíl seriam utilizadas para dar outra difusão à peça mais importante que a RTP teve para transmitir em mais este aniversário do 25 de Abril.
Mas não, o documentário foi estreado na RTP Memória, claro que ficou disponível na plataforma digital RTP Play e, eventualmente, será transmitido em data ainda não decidida, nessa aberração de programação que é a RTP3, que já é o menos visto de todos os canais informativos nacionais.
Deixem-me enquadrar a coisa: a RTP produziu um documentário que dá uma nova visão, para alguns politicamente incómoda sobre o 25 de Abril, e estreou-o num canal que praticamente não tem audiências, a RTP Memória, que obteve 0,1% de share médio de audiência desde o início do ano.
O perfil demográfico do canal indica que ele é visto por 12% de pessoas abaixo dos 54 anos, precisamente aqueles que mais tinham a ganhar em conhecer a tese de Barreto sobre o 25 de Abril, por cerca de 50% entre os 55 e os 74 anos e os restantes 38% acima dos 75 anos. Acham que isto faz sentido?
Os segmentos etários que mais tinham a ganhar em saber o que aconteceu estão longe do canal onde vai ser exibido. Assim vai o serviço público de televisão.