“A esmagadora maioria dos jornalistas palestinianos mortos na guerra em Gaza perdeu a vida ao exercer a sua profissão no meio da população civil”, escreve o jornalista e investigador Carlos Castilho, num artigo para o Observatório da Imprensa do Brasil, com o qual o CPI mantém uma parceria, ao reflectir sobre os efeitos da ofensiva israelita na imprensa local. 

Segundo Castilho, os drones, mísseis e jactos de combate israelitas “não conseguiram — ou não quiseram — detectar os coletes usados por repórteres, fotógrafos e produtores palestinianos com a inscrição PRESS”. Essa falha, ou negligência, somada à proibição de entrada de correspondentes estrangeiros, criou um ambiente hostil para os profissionais palestinianos, obrigando a imprensa internacional a recorrer a freelancers e fixers locais. 

De acordo com o autor, 274 jornalistas foram mortos pela Força de Defesa de Israel (IDF), 269 deles de nacionalidade palestiniana, durante a ofensiva em Gaza e na Cisjordânia. “Nos dois anos de guerra morreram 3,5 vezes mais jornalistas do que em toda a guerra do Vietname”, observa Castilho, sublinhando que o contraste evidencia como a cobertura de combates “assumiu características diferenciadas na era digital”. 

O jornalista alerta que as regras internacionais que definem ataques a jornalistas como crimes de guerra foram “simplesmente ignoradas pela própria grande imprensa ocidental”, uma situação que coloca o jornalismo perante uma “nova realidade em matéria de cobertura de conflitos bélicos”, marcada por automação militar, guerra cognitiva e desinformação sistemática. 

O caso do bombardeamento do hospital Nasser em Gaza é, para o autor, paradigmático. Castilho recorda que “cinco repórteres palestinianos foram mortos quando dois tanques israelitas dispararam contra o quarto andar do hospital”, após um primeiro ataque aéreo ter criado o caos no local. Segundo a CNN, houve “intenção deliberada de atingir jornalistas”, pois os profissionais haviam corrido para o hospital justamente por ser o único ponto com internet estável. 

“Os repórteres e fotógrafos caíram numa armadilha ao desempenharem sua função de informar enquanto a IDF alegava que havia ‘terroristas’ entre os jornalistas”, cita Castilho, destacando o uso de acusações para justificar ataques directos à imprensa. 

Na sua análise, “o antagonismo étnico e ideológico fez com que os soldados israelitas deixassem de distinguir jornalistas, guerrilheiros, influenciadores e pessoas comuns”. Quem não usava uniforme, resume o autor, “era visto como palestiniano e automaticamente tratado como terrorista inimigo”. 

Para Castilho, o conflito em Gaza simboliza uma mudança estrutural no modo de fazer jornalismo: “Na era digital, o jornalismo tende a identificar-se com os ambientes sociais onde actua, por conta da necessidade de identificar a procura de informação do público”. 

Essa imersão é mais do que um retorno à reportagem de rua, é uma estratégia contra a desinformação. Segundo o autor, “o envolvimento nas comunidades é considerado a ferramenta mais eficaz para reduzir o efeito da desinformação gerada por quem é alheio à realidade local ou tem interesses antagónicos”. 

Castilho compara o contexto de Gaza às periferias urbanas controladas pelo crime organizado, onde “o exercício do jornalismo só é possível quando o profissional se mistura com as pessoas”, pois sem essa proximidade o repórter “é facilmente envolvido pela narrativa das forças de segurança”. 

No artigo, o autor defende que a protecção dos jornalistas em zonas de conflito deve ser uma obrigação das empresas e não um acto de generosidade: “Quem distribui ou publica informações sobre uma guerra ou rebelião passa a ter que assumir algum tipo de protecção a repórteres ou influenciadores digitais que actuam em zonas de alto risco pessoal”, afirma. 

Sem esse compromisso, as empresas tornam-se “cúmplices da mortandade de profissionais”, além de perderem credibilidade e espaço informativo. Para o autor, a omissão das redacções e conglomerados mediáticos alimenta a desinformação e a desorientação pública, o que pode empurrar populações inteiras para “situações letais”.

(Créditos da imagem: Unsplash)