Com várias eleições cruciais à porta, o crescente uso da Inteligência Artificial (IA) na esfera política levanta preocupações sobre a desinformação eleitoral. 

Numa recente aula de investigação do ICFJ, "Disarming Disinformation: Investigative masterclass", a jornalista de investigação global da AP, Garance Burke, discutiu como reportar eficazmente as interacções da IA com a política.

1. Entenda os Termos Básicos

   - Inteligência Artificial (IA): Sistemas informáticos que imitam aspectos da cognição humana.

   - Algoritmo: sequência de instruções sobre como resolver um problema ou efectuar uma tarefa. Os algoritmos são a base dos softwares de reconhecimento facial e da fala, bem como das ferramentas de previsão, que analisam dados passados para prever eventos ou padrões futuros.

   - Modelos de Grande Linguagem (LLM): Sistemas de IA que utilizam estatísticas para descobrir padrões em dados escritos, que depois utilizam para gerar respostas a perguntas. O ChatGPT é um exemplo de um LLM, um sistema que examina grandes quantidades de dados da Internet para prever como as palavras podem ser agrupadas numa frase e depois imitam o que encontram.

2. Simplicidade na Comunicação:

   - Ao entrevistar sobre IA, faça perguntas básicas: “Como é que estes sistemas funcionam? Onde estão a ser utilizados? O que fazem e até que ponto o estão a fazer bem?”

"É importante desmistificar as formas como estas ferramentas funcionam e ajudar a trazer o seu público para que ele também possa entender", disse Burke.

- Durante as eleições, aborde monitores eleitorais e directores de campanha com simplicidade. "Se eu fosse um director de campanha, o que é que eu quereria prever? Que dados seriam úteis para mim?”, exemplifica Burke.

3. Recursos de Investigação:

   - Utilize recursos externos como o AP Stylebook e o Aspen Institute para compreender e comunicar o impacto da IA.

   - Consulte académicos, especialistas em IA, ONGs preocupadas com a privacidade, os direitos digitais e o rastreio de modelos de IA. Alguns exemplos incluem a Privacy International, a Human Rights Watch, a Amnistia Internacional e a Electronic Frontier Foundation.

"A IA é um daqueles domínios em que os engenheiros sentem que os jornalistas nunca compreendem realmente", defende Burke. "Vai sempre haver muitas pessoas que vão sentir a necessidade de lhe dizer como isto funciona desde o início, e isso é bom, porque vai aumentar a sua própria confiança e compreensão", descreve.

4. Pensamento Regional:

   - Avalie a relevância da IA em diferentes regiões durante eleições. Não é uma abordagem única. Em alguns países, a IA será utilizada para difundir informação, tanto credível como falsa, entre o público durante as épocas eleitorais. Considere onde está a fazer a reportagem e qual a probabilidade de utilização de IA nesse local – e qual a sua eficácia entre os eleitores desse local.

   - Mesmo em locais com pouco impacto da IA, pesquise dados disponíveis para campanhas e grupos de interesse e saiba como esses dados podem ser usados para influenciar os eleitores.

"Acompanhei uma campanha no Istmo de Tehuantepec [no México], e essa eleição foi ganha com a distribuição de camisolas e sacos de feijão para pessoas que realmente precisavam de apoio económico básico", explica Burke. "Por isso, não acho que todas as eleições se vão transformar no uso de chatbots para espalhar desinformação."

A AP, por exemplo, descobriu que em países como China, Israel, Austrália e Índia, dados de vigilância originalmente colectados para rastrear casos de Covid-19 estavam a ser usados com ferramentas de IA para reprimir protestos, ameaçar civis e assediar comunidades marginalizadas.

Uma pessoa poderia utilizar ferramentas de IA para localizar e visar indivíduos que possam ser susceptíveis à desinformação. Quando começam a circular conteúdos falsos, um chatbot de IA com dados agregados da Internet pode regurgitar essas informações como factos.

5. Humanize a cobertura:

   - Concentre-se nas pessoas afectadas, não apenas em códigos e processos, para cativar leitores.

   - Exemplo: Reportagem da AP sobre ferramenta de triagem de bem-estar infantil destacou histórias pessoais para ilustrar impactos reais. Embora a equipa de investigação da AP tivesse muita informação sobre os algoritmos por detrás da ferramenta, optou por se concentrar nas pessoas afectadas pela sua utilização. A primeira história analisou um advogado de família do condado e outros funcionários do sistema de protecção de menores, cujo trabalho e tomada de decisões foram afectados pelo algoritmo.

A segunda história centrou-se num casal com deficiência, cuja filha foi levada para um lar de acolhimento. Acreditavam que as suas deficiências tinham levado a ferramenta de rastreio da assistência social à criança a classificá-los como um risco para a segurança da filha.

Ao centrarem-se nas pessoas afectadas, os leitores puderam simpatizar mais com elas enquanto aprendiam sobre o impacto da tecnologia.

6. Coloque as Pessoas em Primeiro Lugar:

   - Priorize histórias que destaquem o impacto humano da IA.

. "O nosso trabalho não é dizer se a IA é boa ou má, mas sim ajudar o público a compreender como funcionam estes sistemas", afirmou Burke.

   - Demonstre como a tecnologia afecta indivíduos e comunidades.

7. Empoderamento do Público:

   - Não tome posições sobre se a IA é boa ou má; ajude o público a compreender como os sistemas funcionam.

   - Capacite os leitores a tomar decisões informadas sobre o papel da IA nas eleições.

Ao seguir essas directrizes, os jornalistas podem desmistificar a IA, promovendo a compreensão pública e a tomada de decisões esclarecidas em relação à crescente influência tecnológica nas eleições.