Painel questiona inteligência artificial na produção jornalística
Por ocasião do lançamento do Digital News Report deste ano, no passado dia 17 de Junho, um grupo de responsáveis de organizações de média debateu sobre o que poderá o jornalismo fazer perante uma “nova onda de disrupção”, ampliada pela inteligência artificial (IA) generativa e pela redefinição do papel das plataformas digitais no ecossistema mediático.
Do painel faziam parte Anna Bateson, presidente executiva (CEO) do Guardian Media Group, Rachel Corp, CEO da ITN, empresa de produção independente, Matthew Keen da Reuters, and Rozina Breen, editora-chefe do The Bureau of Investigative Journalism (TBIJ).
Uma das ideias principais partilhadas durante esta conversa foi a necessidade de as empresas de média apostarem em estabelecer uma verdadeira relação de qualidade com o seu público, ao mesmo tempo que exploram e se adaptam às novas plataformas e aos novos formatos.
O vídeo da sessão está disponível no YouTube do Reuters Institute for the Study of Journalism, da Universidade de Oxford.
A redefinição do papel das plataformas digitais
“Porque é que as pessoas gostam cada vez mais de vídeos de curta duração do que do formato noticioso tradicional?”, a pergunta foi lançada a propósito do aumento do uso de plataformas como o TikTok e o YouTube para aceder às notícias.
Nic Newman, investigador no Reuters Institute e co-autor do Digital News Report, deixou algumas pistas de resposta: “sentido de autenticidade”, “conveniência”, remetendo para a duração curta dos vídeos, e selecção de conteúdos feita pelos “algoritmos”, que tendem a mostrar publicações alinhadas com os interesses dos utilizadores.
Segundo o relatório do Reuters Institute deste ano, dois terços dos inquiridos vêem notícias através de vídeos curtos, e mais de metade estão disponíveis para ver vídeos longos.
Embora esta tendência seja favorável aos meios que já trabalham com vídeo, como a ITN, Anna Bateson alertou para o perigo de replicar o estilo dos vídeos virais, que não têm necessariamente qualidade editorial. Para a CEO do Guardian Media Group, é essencial que as equipas se mantenham fiéis à sua visão jornalística, enquanto experimentam estes novos formatos.
Os influencers das notícias
Outra das tendências reveladas no Digital News Report deste ano é a crescente atenção dada aos chamados influencers e a fontes alternativas de notícias, em detrimento das organizações noticiosas tradicionais.
Rachel Corp, da ITN, não vê “os influencers como uma ameaça”. “Há coisas que podemos aprender”, afirma, mencionando, por exemplo, a “abordagem pessoal com o público”, afirma.
Também Rozina Breen, do TBIJ, considera pertinente que se aprenda a conjugar uma relação autêntica com o público com uma forma de apresentar a informação que seja alimentada pela experiência jornalística.
A IA como factor de disrupção
São vários os dados do relatório deste ano que apontam para um papel questionável da IA na produção jornalística.
Os consumidores de notícias, de forma geral, afirmam estar mais confortáveis se a IA for usada em tarefas de “bastidores”, como apoio ao trabalho dos jornalistas, do que se as notícias forem produzidas por sistemas automáticos.
Além disso, há uma preocupação significativa (59%) com a dificuldade de distinguir o que é verdadeiro do que é falso no mundo online.
Anna Bateson reforçou esta preocupação, afirmando que existe potencial para que o conteúdo gerado por IA “polua e corroa a qualidade do ecossistema” mediático. Para garantir que se mantém a qualidade noticiosa à medida que estes desenvolvimentos acontecem, a CEO do Grupo do The Guardian considera que é preciso voltar às perguntas fundamentais: “Quais são as verdades de que não queremos abdicar?”, “O que é que representamos como marca?”, “O que é que nos distingue?”.
Para combater a falta de confiança nas notícias, Matthew Keen, da Reuters, sublinhou a necessidade de pôr a transparência e o rigor sempre em primeiro lugar, mesmo que isso signifique não ser o primeiro a publicar a história.
Uma relação de qualidade com o público
“Construir relações de confiança com o público é uma das maneiras que as redacções estão a usar para mostrar que têm” rigor, ética, transparência e sentido de justiça, lê-se no texto sobre o debate.
Dar prioridade às pessoas, em vez de valorizar os números e as métricas, é essencial neste esforço. “É preciso pensar sobre as relações de qualidade directas”, diz Anna Bateson. Se não é nisto que estamos a apostar, continua, “temos de ser muito honestos connosco mesmos e pensar sobre que tipo de vitórias é que estamos a celebrar”.
Já Rachel Corp lembrou que é importante perceber onde é que o público está, e publicar as notícias nas plataformas onde as pessoas passam o seu tempo.
Por fim, para Rozina Breen, estabelecer relações de qualidade também passa por ter uma redacção inclusiva e um produto que aposte na diversidade.
(Créditos da fotografia: Publicação na conta oficial do Instagram do Reuters Institute)