Quando se intensificam sinergias entre empresas de “media” e Big Techs
Nos últimos meses, tem sido recorrente a notícia de que certo jornal ou grupo de media anunciou uma parceria com alguma empresa tecnológica detentora de produtos de inteligência artificial (IA), como sejam a OpenAi e a Microsoft.
Tal já aconteceu com o Financial Times, Le Monde, The Atlantic, as publicações do Grupo espanhol Prisa Media (que detém o El País, por exemplo) e do Grupo Axel Springer (dono do Politico, por exemplo), entre muitas outras.
Estas parcerias decorrem da tensão crescente sobre o uso, sem autorização, de material com direitos de autor por parte das plataformas de IA.
Normalmente, o acordo implica que as empresas tecnológicas podem usar os conteúdos editoriais das publicações para treinar os seus modelos de IA generativa e para alimentar as respostas aos utilizadores, e que as redacções podem recorrer aos conhecimentos de tecnológicos para criar serviços ou produtos para os seus leitores. Além disso, as organizações de media tendem a receber retorno financeiro pela disponibilização dos seus conteúdos e acabam por ter maior controlo sobre o modo como a informação editorial é utilizada.
“Mas o que pode ser bom para as partes envolvidas não é necessariamente benéfico para a indústria, muito menos para a sociedade”, defende Felix Simon, investigador no Reuters Institute for the Study of Journalism.
As condições específicas dos acordos não são divulgadas, sendo apenas dada informação genérica em comunicados tendencialmente vagos.
“É claro que é um direito destas empresas manter os pormenores [dos acordos] em segredo. Isso não significa, no entanto, que isto não possa ser problemático tanto para as próprias empresas como para os outros”, aponta Felix Simon.
A importância de sabermos mais sobre as parcerias
“Compreender as mudanças de poder que surgem da actual explosão da IA no espaço da informação — e descobrir quais os ajustes regulatórios necessários, se for caso disso — é mais difícil se não soubermos com o que estamos a lidar”, sintetiza o investigador.
Sem um conhecimento de pormenor dos protocolos estabelecidos entre as organizações de media e as empresas tecnológicas, “é difícil avaliar se os termos desses acordos são justos e se, por exemplo, reflectem com precisão o valor dos dados”, explica o investigador, referindo-se não só ao valor directo, mas também ao “valor de transferência” — benefícios que os dados podem trazer, de forma indirecta, para outros serviços ou produtos.
O desconhecimento dos termos impede também que a indústria estabeleça valores de referência para estes protocolos. A existência de padrões protegeria, por exemplo, as empresas mais pequenas no mercado — tanto do lado dos media, como do lado das tecnológicas —, dando-lhes informação para negociar acordos justos e equilibrados, evitando que sejam exploradas.
Finalmente, enquanto não houver mais informação sobre os protocolos, os decisores políticos, os reguladores e os académicos terão mais dificuldade em avaliar as condições em que todo o ecossistema se está a desenvolver, o que prejudica a análise das implicações para a sociedade e a tomada de decisões.
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