Quando o jornalismo e o ambiente se submetem à “tirania do imediato”

O provedor do leitor da Folha de S. Paulo, que deixou recentemente o lugar, lançou um desafio: a criação de um consórcio jornalístico, composto por profissionais e empresas, para “levar a sociedade a reflectir e quantificar” em que medida os hábitos da sociedade “protegem ou prejudicam o planeta”, nas palavras de José Henrique Mariante.
O jornalista Carlos Castilho aplaude a proposta, na sua reflexão semanal no Observatório da Imprensa, com o qual o Clube Português de Imprensa mantém uma relação de parceria.
A ideia, nota Castilho, assemelha-se à iniciativa Covering Climate Now, fundada em 2019, com o apoio da Columbia Journalism Review, e que une 500 organizações de média em todo o mundo, tendo “como meta inserir a questão ambiental na agenda diária da imprensa, a partir de um envolvimento directo dos jornalistas”.
A proposta de Mariante cumpriria, pelo menos, dois objectivos: estimular a “colaboração informativa, em vez da concorrência na cobertura de um tema essencial para a sobrevivência humana”; e contrariar o “dogma da isenção noticiosa, a famosa preocupação em ouvir os dois lados”.
O problema do “dogma da isenção” é, segundo o autor da reflexão, o igual peso que se dá a fontes que contribuem com informação para sobrevivência da humanidade e àqueles que rejeitam os “dados, factos e ideias” da comunidade científica. “Seria mais ou menos como só abandonar um navio afundando depois de consultar quem não se quer salvar”, compara o autor.
“É impensável, mas é o que muitos jornalistas e órgãos da imprensa estão fazendo movidos pela inércia”, acrescenta.
As necessidades informativas da sociedade implicam “uma opção clara em matéria de política editorial, seguindo o precedente já assumido pela imprensa em casos como a defesa da democracia ou do combate às notícias falsas”.
A velocidade das alterações climáticas
“São cada dia mais sólidas as evidências de que a crise ambiental é um fenómeno irreversível e cada vez mais intenso”, afirma Carlos Castilho, apresentando, de seguida, algumas estatísticas.
No Brasil, “o número recorde em inundações provocadas pelo transbordamento de rios quase duplicou entre 2014 e 2023”, noticiou o Folha de S. Paulo no início de Junho.
À escala mundial, um relatório divulgado pelo The Guardian aponta no sentido de que “os danos ambientais em todo o planeta são seis vezes maiores que os estimados até agora”.
Do ponto de vista económico, um outro estudo, desenvolvido pelo National Bureau of Economic Research (EUA), The Macroeconomic Impact of Climate Change: Global vs. Local Temperature, refere que o aumento de 1 ºC na temperatura média do planeta provocaria uma queda de 12% no PIB mundial.
Ao mesmo tempo, “os dados mais recentes da ONU indicam que a Terra já está 1,8 ºC mais quente, logo o empobrecimento global será ainda maior do que o previsto pelo relatório”, sublinha Carlos Castilho.
Para contrariar esta tendência, seria preciso investir, até 2030, cerca de 8,5 biliões de dólares (aproximadamente 7,9 biliões de euros) em projectos da chamada economia verde, indica a organização Climate Policy Initiative. Ainda assim, “o cálculo foi considerado conservador”.
Um problema de atitude
“Nós, os profissionais do jornalismo, continuamos submetidos à ‘tirania do imediato’”, o que se nota na falta de centralidade das questões climáticas, de médio e longo prazo, nas coberturas eleitorais deste ano, mas também na ausência do tema nas listas dos assuntos com mais cobertura.
“A questão ambiental não aparece no ranking dos cinco temas mais abordados pela imprensa na maior parte dos países”, e, nos Estados Unidos, “o ambiente não está nem entre os dez assuntos mais tratados em jornais, rádios e telejornais”.
Na presença de dados científicos amplamente divulgados por várias instituições, os jornalistas precisam de “assumir a defesa do princípio da sobrevivência”. “O dilema do jornalismo na questão ambiental não é escassez de informação. É um problema de atitude”.
(Créditos da fotografia: Mika Baumeister no Unsplash)