Quando a inteligência artificial gera mensagem falsa…
A propagação de informação falsa, especialmente aquela que é gerada com recurso à inteligência artificial (IA), é uma verdadeira ameaça aos processos eleitorais. No entanto, o maior perigo acontece fora dessas datas.
Esta é a opinião de Carlos Hernández-Echevarría, director-adjunto da organização espanhola de verificação de factos Maldita.es. O jornalista explica a sua ideia num artigo publicado no início de Setembro nos Cuadernos de Periodistas, da Asociación de la Prensa de Madrid, com a qual o Clube Português de Imprensa mantém uma relação de parceria.
Antes de desenvolver a sua argumentação, Carlos Hernández-Echevarría descreve um cenário que, embora pareça distópico, ocorreu na Eslováquia em 2023 e mostra como já existe manipulação de resultados eleitorais pela divulgação de deepfakes (imagens/sons falsos fabricados com o objectivo de que sejam percepcionados como autênticos).
“A mensagem voa”
Nas vésperas das eleições para o parlamento eslovaco, no ano passado, foi posto a circular nas redes sociais um áudio falso em que um dos principais candidatos a primeiro-ministro (Michal Simecka) afirmava que tinha manipulado os votos.
O candidato não ganhou as eleições. “Foi por isso? Ninguém o pode afirmar com certeza, mas estima-se que, num país com 5,5 milhões de habitantes, o áudio tenha chegado a centenas de milhares de pessoas”, diz Carlos Hernández-Echevarría.
O jornalista usa este episódio para realçar como a desinformação se pode espalhar de forma muito rápida, sem que haja capacidade de resposta, e ter um impacto significativo, especialmente em contextos eleitorais sensíveis.
A desinformação sobre as eleições é particularmente perigosa
No mundo da desinformação eleitoral, a maior ameaça talvez não seja a que visa os candidatos, mas a que tenta minar a confiança dos eleitores no próprio processo eleitoral.
A informação falsa que semeia dúvidas sobre a integridade das eleições tem o poder de descredibilizar as instituições democráticas e os resultados das eleições, e, nalguns casos, de funcionar como estímulo à violência, como se viu com os ataques ao Capitólio dos EUA em 2021 e ao Congresso do Brasil em 2022.
“É difícil não pensar que parte dessas campanhas vem de actores organizados que não estão interessados em promover uma mentira concreta, mas sim uma narrativa geral de que as democracias […] não são reais” e que não são sistemas “tão diferentes dos regimes autoritários”, considera o autor.
Esta é “uma ideia que se repete uma e outra vez, e não apenas durante as semanas que duram as campanhas eleitorais”.
A desinformação mais eficiente acontece de forma continuada
Apesar de nas últimas eleições europeias termos assistido a uma multiplicação de iniciativas contra a desinformação por parte das instituições da União Europeia e dos Estados-membros, “essas actuações circunscritas ao período eleitoral não vão fazer uma grande diferença”.
É verdade que muitas pessoas decidem em quem vão votar nos últimos dias antes das eleições, mas “as opiniões gerais sobre o estado da sociedade e a qualidade do sistema democrático criam-se durante períodos mais extensos”, assinala o autor do texto, defendendo que o combate à desinformação tem de ser feito todos os dias.
Nesse sentido, o ecossistema informativo tem de estar preparado para o desafio e tem de fazer esse esforço de forma bem planeada, eficaz e estável no tempo.
Dos vários elementos que compõem o ecossistema informativo — plataformas digitais, meios de comunicação social e iniciativas de educação mediática —, Carlos Hernández-Echevarría começa por criticar as plataformas digitais.
Por um lado, as grandes empresas tecnológicas estão obrigadas, pelo novo Regulamento europeu dos Serviços Digitais, a ter medidas de mitigação dos riscos gerados pelos males sistémicos, como seja a desinformação. “E, ainda assim, será têm essas medidas?”, questiona o autor.
Por outro lado, as próprias plataformas “não estão seguras da sua capacidade de detectar se uma gravação é feita por IA ou não”.
Por seu turno, também os meios de comunicação têm mecanismos de detecção muito limitados. “As carências do sector são uma oportunidade para as campanhas de desinformação antes, durante e depois de cada eleição”, refere o jornalista.
Os riscos além dos deepfakes e o papel dos media
Aproximando-se do final, o autor comenta, ainda, o perigo de as plataformas tecnológicas recorrerem à informação que está disponível online para treinar os seus modelos de IA generativa.
“De facto, essas ferramentas, que vão ter uma importância crucial na formação da opinião púlica, vão fazer uma análise da realidade que tem que ver mais com a versão que é mais popular ou aparece mais na Internet do que com a versão real”.
Por outras palavras, as respostas que as pessoas obtêm das plataformas digitais podem vir a ser baseadas em informação falsa, pois as fontes dos modelos são os dados disponíveis online — e, como temos visto, os dados falsos multiplicam-se de forma viral.
Em jeito de conclusão, o artigo sugere que a educação mediática, a transparência, o rigor e a utilização de padrões éticos claros para os meios de comunicação são essenciais para combater a desinformação e proteger a integridade dos processos democráticos.
(Créditos da imagem: redgreystock no Freepik)