Os “media” falsos em Espanha e a falta de regulação
O tema da regulação dos meios de comunicação social tem motivado um forte debate em Espanha, especialmente a questão dos critérios para a atribuição de credenciais à imprensa no contexto do Congreso de los Diputados (câmara baixa das Cortes Gerais de Espanha, onde estão representados os deputados; uma das câmaras correspondentes ao Parlamento).
Este foi, precisamente, um dos assuntos centrais no mais recente número dos Cuadernos de Periodistas, publicação da Asociación de la Prensa de Madrid (APM), com a qual o Clube Português de Imprensa mantém uma relação de parceria.
Um dos textos, da politóloga e especialista em marketing político Verónica Fumanal, intitulado “O desafio dos ‘fakemedia’ acreditados”, explora os desafios trazidos pela proliferação de meios de comunicação falsos (a que chama “fake media”) e possíveis saídas — embora com reconhecimento de muitas limitações.
A partir de situações concretas que têm ocorrido no espaço mediático espanhol (e que não iremos explorar neste texto), a autora apresenta algumas reflexões sobre a regulação dos meios de comunicação, de pertinência transversal a qualquer contexto.
“O que é um meio de comunicação?”
Até há poucos anos, considera a politóloga, os meios de comunicação eram claramente vistos como “empresas públicas ou privadas que exerciam a função de informar através de profissionais que respondiam a um código deontológico que interiorizavam nas faculdades de jornalismo”.
No entanto, na opinião de Verónica Fumanal, a emergência da tecnologia veio perturbar e fragmentar este sistema mediático, desvirtuando, de várias formas, o objectivo fundamental de informar.
Uma dessas formas é a facilidade com que são criadas plataformas de divulgação de “conteúdos políticos e da actualidade” que se fazem passar por meios de comunicação, quando não o são na verdade.
O problema é que, para os cidadãos, pode ser “muitíssimo difícil diferenciá-los porque os fake media mimetizam o grafismo dos meios [legítimos]”, explica a autora.
Além disso, a não existência de uma entidade que decida o que é um meio de comunicação social e o que não é dá lugar a que “instituições públicas como o Congreso concedam credenciais a jornalistas ou meios que o solicitem, sem que haja um crivo prévio”.
Duas alternativas, nenhuma solução
Perante a situação actual, em que os chamados fake media têm acesso aos espaços reservados a jornalistas, com todas as consequências que daí advêm e que a autora descreve com algum fôlego no seu artigo, fica a dúvida sobre o que se poderá fazer.
Para Verónica Lumanal, “existem duas alternativas”, nenhuma delas isenta de problemas.
“A primeira opção seria não fazer nada; ou seja, aqueles que têm credencial continuariam a trabalhar dentro da instituição [Congreso]”.
Porém, várias consequências negativas poderiam advir daí.
Por um lado, “cada vez mais fake media iriam querer acreditar-se para simular ser um meio de comunicação real”. Para os cidadãos seria cada vez mais difícil conseguir “diferenciar quem produz informação e quem produz desinformação”, o que “alimentaria a falta de confiança” que já existe por parte do público.
Por outro, também o clima de desconfiança entre jornalistas e políticos iria continuar a aumentar, minando cada vez mais os espaços informais de contacto, “tão necessários para os profissionais”. E a classe política passaria a desacreditar cada vez mais os órgãos de comunicação social, contribuindo para um discurso que desvaloriza o trabalho dos jornalistas.
A segunda opção seria retirar as credenciais àqueles não sejam jornalistas reputados ou não estejam integrados num órgão de comunicação real.
Rapidamente se percebe que esta também não seria uma boa solução, não só porque seria complicado definir um organismo para decidir “quem é um jornalista reputado e quem é manipulador”, mas, acima de tudo, porque uma atitude destas afectaria “um direito básico: a liberdade de imprensa”.
O primado da auto-regulação
“Considero que deveríamos tentar abordar este debate a partir do mundo do jornalismo, com os seus profissionais”, afirma Verónica Fumanal. Só o jornalismo “pode trabalhar para se proteger do descrédito da desinformação”, acrescenta.
Foi isso que tentaram fazer o Colégio Profissional de Jornalistas de Andaluzia e o Colégio de Jornalistas de Múrcia ao apresentar listas com aqueles que consideram ser, nas suas regiões, os meios de comunicação social digitais legítimos e que seguem os princípios éticos do jornalismo.
“Deixar nas mãos da política a definição daquilo que é um meio e um jornalista rigoroso será sempre um mau negócio, porque a política tem muitos interesses nas empresas de comunicação e é inevitável a tentação de legitimar como fontes de autoridade os meios que sejam mais próximos”.
Finalmente, é preciso lutar contra a desinformação com acções de educação. A literacia mediática pode ajudar a evitar que os cidadãos caiam em estratégias de manipulação, particularmente “num mundo em que a inteligência artificial e todo o seu desenvolvimento tornará praticamente impossível diferenciar a realidade da ficção”.
Só cidadãos munidos de ferramentas para não serem enganados e um jornalismo forte “serão capazes de proteger as democracias tal como foram concebidas”.
(Créditos da fotografia: matt c no Unsplash)