O jornal The Guardian avança que, às casas dos telespectadores dos canais turcos pró-governamentais, tem chegado uma “uma realidade diferente” daquela que se vive nas ruas de Istambul, palcos das manifestações em massa contra o Governo.  

Recentemente, “a televisão pública mostrava o Presidente, Recep Tayyip Erdoğan, a discursar numa sala de conferências dourada, depois de um jantar iftar. Gabou-se das realizações do seu governo, da contratação de novos professores e da atracção de jovens para uma conferência aeroespacial e tecnológica”. 

Também o canal pró-governamental NTV transmitiu notícias sobre os esforços do ministro das Finanças, Mehmet Şimşek, para estabilizar a economia. “Nenhum dos canais transmitiu imagens dos protestos, que foram desencadeados pela detenção do presidente da câmara de Istambul, Ekrem İmamoğlu”, conta o The Guardian, acrescentando que os manifestantes também não foram entrevistados. Ainda assim, uma das manchetes da NTV informou que centenas de pessoas tinham sido presas, “reflectindo as declarações feitas pelo ministro do Interior”.   

A cobertura dos protestos tem sido preservada por alguns jornais e canais por cabo fora das redes de radiodifusão pró-governamentais “bem financiadas”. O The Guardian dá como exemplo o jornal Cumhuriyet, alinhado com a oposição, que publicou notícias sobre as condições no interior de uma prisão de segurança máxima onde İmamoğlu esteve detido, e discursos de outro líder da oposição para multidões de milhares de pessoas. 

Erol Önderoğlu, membro dos Repórteres Sem Fronteiras, é citado no artigo a respeito da disseminação de canais por cabo e empresas de comunicação social que mantêm laços financeiros com o Governo: “Este é o resultado negativo do que Erdoğan construiu durante duas décadas, que é um ambiente mediático altamente polarizado e tóxico”. Önderoğlu diz que o Presidente da Turquia controla actualmente cerca de 85% dos meios de comunicação social nacionais e empresariais no país e que, desta forma, não é possível falar de um “ambiente mediático justo, onde o pluralismo floresça verdadeiramente”. 

Murat Somer, professor de Ciência Política que estuda a polarização na Universidade Özyeğin de Istambul, contou ao The Guardian que, quando os canais pró-governamentais cobrem a oposição ou os manifestantes, estes são retratados como um “bando de vândalos que estão a insultar Erdoğan” e que são “agressivos e hostis, mas também fracos e incapazes de aceitar que Imamoğlu cometeu crimes”. 

O jornal britânico explica que o órgão governamental de vigilância dos meios de comunicação social da Turquia (RTÜK) proibiu a transmissão de imagens em directo dos protestos, “embora isso tenha provocado uma polémica no seio do organismo, cujos membros foram concebidos para reflectir a composição do parlamento turco”. 

İlhan Taşcı, colaborador na Rádio e Televisão da Turquia (RTÜK), informou na rede social X que os burocratas entraram em contacto com os directores das principais cadeias televisivas e “ameaçaram que parassem as transmissões em directo ou as suas licenças seriam revogadas”. 

Murat Somer acredita que, se houvesse uma cobertura em directo dos protestos, as imagens mostrariam “um evento pacífico e bem participado, mas eles não podem mostrar isto. É desinformação, tão simples quanto isso”. 

O líder da oposição, Özgür Özel, e outros membros do Partido Republicano do Povo (CHP), apelaram a um boicote contra empresas com laços financeiros com o Governo ou que financiam a sua estrutura mediática. Özel também apelou ao Governo para que permita que o julgamento de İmamoğlu seja transmitido em directo.   

Na semana passada, dez fotojornalistas foram detidos em rusgas nocturnas e vários foram acusados pelo Ministério Público e enfrentam penas de prisão.  

“Como sabemos, as imagens são poderosas e, com estes últimos protestos, temos visto muitas imagens notáveis nos meios de comunicação internacionais, mostrando que a democracia turca está a resistir com tantas pessoas nas ruas novamente”, disse o especialista em meios de comunicação Emre Kızılkaya, do Centro Carr para a Política dos Direitos Humanos da Harvard Kennedy School of Government.  

A televisão é a principal fonte de informação para a maioria dos turcos, mas o controlo governamental sobre os media tem sido intenso. Os poucos canais críticos ao Governo enfrentam multas pesadas e outras penalidades, incluindo a proibição de transmissões ao vivo, multas e a detenção de jornalistas. 

Emre Kızılkaya destaca que a repressão às transmissões ao vivo e a prisão de jornalistas impedem que a população tenha acesso à realidade dos protestos e alerta para o facto de os meios de comunicação críticos ao governo estarem a enfrentar um momento decisivo. Para eles, os protestos são “vitais para o futuro do direito de informar correctamente o país... o futuro do jornalismo está agora em jogo”.

(Créditos da imagem: Mahmut Yildiz no Unsplash)