A era digital passou a exigir a convivência com “várias verdades” e isso “implicará o desenvolvimento de novas rotinas, regras e valores” no jornalismo.

Esta é a premissa da mais recente reflexão de Carlos Castilho no Observatório da Imprensa, com o qual o Clube Português de Imprensa mantém uma relação de parceria.

Se antes da internet o “grande paradigma do jornalismo era a preocupação com a verdade”, as novas tecnologias de comunicação “criaram uma avalanche noticiosa” e trouxeram “o que se convencionou chamar ‘várias verdades’, ou seja várias percepções e opiniões sobre um mesmo dado, facto ou evento”, diz o autor.

A publicação de milhões de artigos todos os dias, agravada pela desinformação e pelas fake news, leva a uma “enorme sobrecarga de trabalho e responsabilidade” no que diz respeito a fazer escolhas para nos mantermos informados sobre temas muitas vezes complexos.

Com esta mudança, os jornalistas “deixam de ser os porta-vozes do que é certo ou errado em matéria de informação publicada” para passar a funcionar como “curadores” de notícias. Isto é, profissionais que ajudam “as pessoas a identificarem qual das ‘várias verdades’” é a que melhor dá resposta às suas necessidades.

A propósito do uso termo “curador”, o autor lembra que “a curadoria é praticada em várias outras actividades, especialmente no campo artístico quando um ou mais especialistas recomendam obras para exibição pública”.

Também para a investigadora norte-americana Nikki Usher, citada por Carlos Castilho, estamos a viver um regime de “democracia pós-imprensa”, em que os jornais deixaram de ter a função social que tinham e passaram a cumprir uma função de “assessoria jurídica ou curadoria de consumo”.

“Foi o próprio público que passou a exigir este tipo de aconselhamento, como mostra a multiplicação de influenciadores na internet”, afirma o jornalista.

Ora, os jornalistas precisam de ter, hoje em dia, a capacidade de transformar um facto “em notícia capaz de atrair a atenção do público” e, portanto, de ser “vendável a anunciantes”.

A mudança de paradigma e a crise de sustentabilidade e credibilidade

Neste contexto, Carlos Castilho sublinha que, “seja qual for a nova função da imprensa na era digital, ela terá de achar soluções para a crise do modelo de negócio”; uma crise que levou ao fecho, por exemplo, de 2,5 jornais por semana, nos Estados Unidos, em 2023.

Já um estudo da Universidade Northwestern, em Illinois, indica que cerca de um terço dos 24 mil jornais locais norte-americanos desaparecerão até o final deste ano.

Entre o fim de muitos jornais e a sobrecarga dos jornalistas que estão nas redacções, a “imprensa convencional” tem cada vez mais dificuldades em cumprir “o seu objectivo de formar cidadãos bem-informados”.

A esta dificuldade acresce a mudança daquilo que é considerado um “bom cidadão” do ponto de vista informativo: já não se trata do “cidadão bem-informado”, mas sim do “cidadão comunicador”. Agora o “bom cidadão” é avaliado “pela intensidade com que promove a circulação de informações e notícias”.

E é por isso que, cada vez mais, o jornalista é visto como um “participante insubstituível na qualificação dos fluxos de informações”, cabendo-lhe o papel de verificação da verdade, “relevância e pertinência das ‘várias verdades’ a que uma comunidade está sujeita no caos informativo das redes sociais na internet”, conclui o autor.

(Crédito da imagem: vectorjuice no Freepik)