A referência de que o Wikijornalismo está para o jornalismo como a Wikipédia está para as enciclopédias clássicas, é de Juan Luis Cebrián, num texto publicado em "Cuardernos de Periodistas" (editado pela APM, com a qual o CPI mantém uma parceria) no qual defende que, apesar de serem produtos semelhantes e de terem como objectivo responder a uma procura semelhante, apresentam diferenças profundas. O autor defende que "no mundo wiki, a interação instantânea é a chave, o conhecimento é colectivo" e que "não existe uma liderança visível ou demonstrável à qual possa ser atribuída a responsabilidade pelo rigor intelectual ou pela verificação das notícias". Desta forma, conclui que o que ganha com a participação, perde na qualidade do produto.

Juan Luis Cebrián explora as transformações na média digital, destacando as características do wikijornalismo, suas implicações na democracia e a continuidade da importância do jornalismo profissional.

O termo "wiki" tem origens na expressão "wiki wiki," que significa "rápido" em havaiano.

Segundo o autor, vem de uma derivação errada do inglês "quick" ou "quickly", usada pelos aborígenes depois de o capitão James Cook ter desembarcado no arquipélago do Havai, em 1778. 

O termo foi popularizado na cultura desde o século XVIII. Contudo, em 1994, quando Ward Cunnigham criou a “wikiweb” e escolheu o nome do site que permitia aos utilizadores intervir nos textos e imagens a que acediam, para inspiração tinha escolhido o nome da rede de autocarros que liga os terminais do aeroporto de Honolulu: Wiki Wiki Shuttle. 

No texto acima referido, Juan Luis Cebrián discute a transformação da sociedade digital e o seu impacto nos meios de comunicação, destacando vários pontos-chave.

Para o autor, muitas análises no final do século passado alertaram sobre os efeitos da sociedade digital, coincidindo com um otimismo sobre o futuro dos media, desde que os gestores estivessem conscientes das mudanças culturais.

Contudo, as empresas tradicionais foram lentas em se adaptar ao novo contexto de comunicação, enquanto empresas como Facebook, Google e Microsoft rapidamente dominaram o mercado.


Cebrián considera “surpreendente que, com avisos tão abundantes e frequentes, as empresas tradicionais tenham sido tão preguiçosas na sua transformação”.

A questão central não é tanto o papel dos media na sociedade digital, mas se haverá espaço para os meios de comunicação num mundo em que qualquer pessoa pode partilhar informação através das redes sociais e sem qualquer mediação.

O autor questiona, por isso, se o jornalismo tradicional – que consiste em contar aos outros o que está a acontecer – sobreviverá em um mundo onde todos podem comunicar diretamente entre si.

Na opinião de Cebrián, a desintermediação na política também pode levar ao populismo. Para o autor esta “desintermediação parece confundir-se com a democracia directa, a primeira forma de democracia de que a história se lembra” – eliminando o jornalista como intermediário e a intervenção na informação.

“O desejo dos dirigentes de comunicar directamente com os seus cidadãos não só é inevitável, como está a crescer, e afecta certamente também os políticos democráticos”, defende.

Os partidos políticos e os media têm tido papeis dinâmicos e opostos num “mecanismo único de funcionamento do Estado e de articulação do poder que sobreviveu nas democracias durante mais de 200 anos”. Contudo, este sistema entrou em crise com a revolução digital.

O autor destaca ainda o sucesso das wikis, como a Wikipedia, que se baseiam na interacção e cooperação e como isso está a transformar a produção e o consumo de notícias, desafiando o modelo tradicional dos meios de comunicação.

No mundo wiki, a interação é instantânea, o conhecimento é colectivo e, sem uma liderança visível à qual possa ser atribuída a responsabilidade pelo rigor intelectual ou pela verificação das notícias, traduzindo-se muitas vezes numa perda da qualidade da informação. O que, segundo Cebrián, não parece preocupar o utilizador.  

Para que este sistema democrático funcione, precisa da opinião publicada, da discussão e do contraditório. Por isso, o papel do jornalista mantém-se relevante, podendo ajudar os cidadãos a exercer as suas escolhas e garantindo que o princípio da alteridade não desaparece nas deliberações do poder. 

Para o autor, a questão passa por saber como é que a eliminação dos elementos de tempo e espaço no universo digital vão influenciar a construção da convivência e a comunicação entre os cidadãos.

“A questão não é tanto a forma como estes meios se transformaram, mas se irão sobreviver e em que esfera, se serão substituídos por outros, ou se a nova realidade virtual é tão autossuficiente que pode passar sem eles”, elabora.

A informação tornou-se uma mercadoria instantânea e acessível a todos, omnipresente, o que tem levantado, segundo o autor, preocupações sobre a qualidade e ética. 

“Vivemos num mundo em que a informação é instantânea, tornou-se naquilo a que os anglo-saxónicos chamam uma mercadoria e a que eu gosto de chamar um bem de consumo. Algo ao alcance de todos, em qualquer altura e em qualquer lugar do planeta. Os nossos leitores ou utilizadores são constantemente assaltados por milhares de tentações que competem com as pobres sugestões que habitualmente fazemos, e temos de ser capazes de individualizar as suas exigências”, descreve.

Os jornalistas precisam de se adaptar a esta nova realidade, adoptando um papel de guias e líderes da comunidade.

“A nossa missão é facilitar a sua entrada [do leitor] neste ecossistema e melhorar a sua permanência nele, a sua capacidade de compreensão e análise, potenciando as suas descobertas e sendo capazes de atrair a sua curiosidade, prestando uma atenção maior e mais determinada ao jornalismo de investigação, à qualidade e ao rigor da informação, à sua compreensão”.

O autor dá como exemplo o caso “WikiLeaks”, representando como o jornalismo tradicional pode coexistir com o wikijornalismo, fornecendo contexto e verificação às informações.

“O que aconteceu com outro famoso wiki, o caso WikiLeaks, levou a que se insistisse na recuperação de algumas das características do jornalismo tradicional: a explicação das notícias, a organização dos debates, a sua confirmação e contextualização; a capacidade dos jornais de referência, também, de carimbar com o selo do seu título uma garantia de qualidade, num mundo em que as marcas brancas ganharam muito terreno”, justifica.

 Cebrián relembra ainda que “há relativamente pouco tempo, chegar primeiro era um dos mandamentos do jornalismo. Os jornais adoravam os furos e inventaram mil formas de aceder às fugas de informação. Agora, são as fugas que procuram caminhos e percursos diferentes”.

“Os nossos leitores já sabem as notícias quando abrem o jornal, mesmo que o façam num suporte digital, e não só: já as discutiram, já participaram em debates na Internet ou através de tweets”, analisa.

Cebrián reconhece que as máquinas e algoritmos desempenham um papel crescente na produção e distribuição de notícias, mas acredita que os jornalistas ainda são necessários para fornecer análise, contexto e qualidade, adaptando o tal papel de mediadores.

“Em muitos casos, as decisões e hierarquias sobre as notícias não são tomadas por uma equipa de jornalistas, tal como não é um grupo de especialistas que classifica e ordena os resultados das pesquisas semânticas. São as máquinas e os algoritmos que trabalham 24 horas por dia, que governam o universo lábil da informação”, afirma.

“Sem o saberem, são as máquinas que os substituem nas suas vontades, o que destrói o mito da liberdade e da independência absolutas que a Web propaga. Assistimos hoje a uma luta entre os valores que emanam do Iluminismo, sobre os quais se construiu a velha ordem, e os que derivam da identidade, exigidos pela personalização que a sociedade digital promove. Paradoxalmente, a ameaça da perda dessa identidade no oceano tempestuoso da Web permite aos mais astutos ficarem com o santo e a esmola”, rebate.

Por isso mesmo, o autor enfatiza a importância contínua do jornalismo de qualidade: “o público precisa, talvez mais do que nunca, de pessoas com a coragem, o coração e a vontade de servir os seus vizinhos, dizendo-lhes a verdade e revelando os segredos que os detentores do poder tentam esconder”.