Modelo cooperativo no relançamento do jornalismo independente

Num artigo publicado no Reuters Institute, a jornalista Gretel Khan considera que “Jeff Bezos é um exemplo extremo de um problema que está a ocorrer em muitos países: o risco de proprietários poderosos influenciarem decisões editoriais. Mas esse não é o único modelo de propriedade viável. Muitas organizações de notícias digitais agora são de propriedade de jornalistas e profissionais dos media de uma forma que protege o seu trabalho de influências indevidas da política e dos negócios”.
A autora conversou com editores de cinco meios de comunicação na Argentina, França, Escócia, Espanha e Uruguai para explorar como cada um dos modelos funcionam e os desafios e oportunidades que apresentam.
Estruturas diferentes, mas um mesmo objectivo
“Alguns meios de comunicação decidiram seguir um caminho próprio, desafiando as estruturas tradicionais de propriedade da indústria jornalística. Porém, não existe um único modelo de media propriedade de jornalistas”.
Em 2009, o West Highland Free Press tornou-se num jornal de propriedade dos funcionários, depois de os proprietários originais terem atingido a reforma. Este jornal semanal hiperlocal cobre as Terras Altas da Escócia, com uma circulação de cerca de três mil cópias semanais. O actual editor, Keith MacKenzie, é um dos cinco accionistas da empresa.
"Foi criado um fundo de confiança (employee trust) para os funcionários. Os funcionários colocaram algum dinheiro e depois houve algum financiamento", explicou-lhe MacKenzie. "Assim, quando você deixa a empresa, as suas acções vão com você, essencialmente, mas espera-se que qualquer funcionário se torne proprietário, além de ser um empregado."
Outro exemplo é o Tiempo Argentino, fechado pelos proprietários corporativos em 2015, mas os jornalistas aprenderam a criar e gerir uma cooperativa de raiz para salvar o jornal. No Uruguai, o jornal La Diaria, um dos mais lidos do país, também segue o modelo cooperativo, sendo que os trabalhadores podem optar por se tornar membros da cooperativa após três meses de trabalho. A chefe de redacção, Natalia Uval, explicou que os jornalistas “são atraídos por terem poder de decisão sobre o futuro do jornal”.
O elDiario.es, um dos jornais mais lidos e influentes de Espanha, ultrapassou recentemente os 100 mil assinantes, com 40% das receitas provenientes dos leitores e a maior parte do restante vinda de anúncios. O editor e co-fundador, Ignacio Escolar, é o principal accionista, com 40% das acções, enquanto o restante está distribuído entre outros jornalistas do jornal.
O site francês Mediapart foi fundado por Edwy Plenel e outros jornalistas com um objectivo semelhante. No entanto, criou em 2019 uma fundação onde colocou "100% do seu capital numa estrutura sem fins lucrativos", garantindo que o site não poderá ser comprado ou vendido no futuro. Carine Fouteau, presidente e editora do Mediapart, explicou que esta estrutura garante a independência do site, protegendo-o de ser adquirido por qualquer parte, mesmo pelos seus próprios fundadores.
O Mediapart criou um fundo especial chamado FPL, que detém o jornal através de outra estrutura, a Société pour la Protection de l’Indépendance de Mediapart (SPIM), para que nenhuma empresa privada ou investidor possa assumir o controlo. “Isto significa que o Mediapart é agora 100% propriedade desta organização sem fins lucrativos, e qualquer lucro gerado volta para a empresa”.
A recusa de pressões externas
Todos os meios com os quais Gretel Khan conversou destacaram como a estrutura de propriedade dos funcionários os libertou dos potenciais conflitos de interesse. São eles que tomam as decisões, e não uma entidade poderosa à qual têm de responder.
“Natalia Uval, do La Diaria do Uruguai, disse que o modelo de propriedade é a base da independência editorial do jornal. Ao fazer parte de um colectivo de trabalhadores que realmente têm interesse no seu jornalismo, os trabalhadores talvez estejam mais conscientes de que estão a trabalhar para um objectivo maior: proteger o jornalismo independente de quaisquer pressões externas”, salienta a autora.
La Diaria publicou recentemente uma investigação sobre um escândalo que envolve investimentos em gado: “Mais de quatro mil pessoas investiram o seu dinheiro no maior fundo de investimento em gado do Uruguai, que agora está a falir e se recusa a devolver o dinheiro. De acordo com Uval, trata-se de uma empresa que investe muito dinheiro em publicidade em muitos meios de comunicação do país”. Natalia Uval explicou que muitos media não cobriram a história, ou fizeram-no de uma forma “muito tendenciosa”, devido a pressões publicitárias de empresas envolvidas.
(Créditos da imagem: Freepik)