Jornalismo de verificação de factos continua a evoluir
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Num artigo publicado no “NiemanLab” e no “The Conversation”, o professor de jornalismo Peter Cunliffe-Jones defende que o jornalismo de verificação de factos está em constante evolução, apesar de um artigo do “New York Times” sugerir a sua estagnação.
“As ‘notícias falsas’ adoram uma crise. É agora evidente que as informações falsas desempenharam um papel importante nos acontecimentos recentes em todo o mundo, desde as eleições que provocaram divisões até à pandemia de covid-19 e ao conflito que assola Israel e Gaza”, escreve.
Por isso, Cunliffe-Jones considera que continua a ser importante “combater as falsas alegações e as falsas narrativas” e #a investigação mostra agora muito mais clareza sobre a forma de o fazer”.
Em 2023, um artigo do NYY referia que "o ímpeto por detrás das organizações que visam combater as falsidades online começou a diminuir" e referia que o número de operações de verificação de factos em todo o mundo tinha "estagnado", depois de aumentar de 11 em 2008 para 424 em 2022 e cair ligeiramente para 417, actualmente.
O artigo descrevia ainda alguns dos desafios enfrentados pelos verificadores de factos, mas, para Cunliffe-Jones, o artigo “ofereceu uma imagem muito limitada do trabalho que fazem todos os dias, da forma como a abordagem da comunidade de verificação de factos para combater informações falsas evoluiu e das diferentes formas como o seu trabalho pode fazer a diferença no mundo”.
A Maldita, a primeira operação de verificação de factos em Espanha, começou como uma conta no Twitter, gerida por dois jornalistas de televisão, e hoje conta com mais de 50 colaboradores. Em algumas regiões, o número de operações diminuiu e, noutras, como África, Médio Oriente e Ásia, continua a crescer.
Outro desafio apontado pelo docente é a escala, pois, desde que os verificadores de factos de todo o mundo começaram a contribuir para a base de dados de verificações operada pela Google, conhecida como Claim Review, no final de setembro de 2023, já tinham sido verificadas quase 300 mil afirmações.
“É um número impressionante, mas minúsculo em comparação com a escala do problema – que pode, evidentemente, ser agravado pela IA. Grupos como a instituição de verificação de factos do Reino Unido, Full Fact, estão a desenvolver IA para ajudar a detectar afirmações falsas e aumentar o alcance das verificações de factos.
Os estudos recentes indicam que o “fact-checking” pode ter uma influência global positiva na compreensão factual dos leitores e reduzir a desinformação.
“Etiquetas” de aviso anexadas ao conteúdo online também mostraram eficácia na redução da disseminação da desinformação, mesmo entre os mais desconfiados dos verificadores de factos.
No entanto, o sucesso do “fact-checking” é inconsistente e depende de várias variáveis. Muitas vezes, aqueles que acreditam em desinformação não são os mesmos que veem e acreditam nas verificações de factos. Os verificadores de factos reconhecem que o seu trabalho não atinge todas as pessoas, mas defendem que vale a pena expor as mentiras.
Além de informar o público, as organizações de verificação de factos podem influenciar os políticos a serem mais cuidadosos com as suas afirmações. Algumas figuras públicas desistem de determinadas declarações depois de serem desmentidas.
Muitas operações adoptam uma abordagem directa, contactando os meios de comunicação social ou as campanhas políticas para lhes pedir que corrijam os registos.
E, de acordo com o docente, em muitos países, os verificadores de factos intervêm a nível estrutural para promover uma cultura de exatidão em instituições importantes.
“Os legisladores britânicos votaram no mês passado para alterar as regras da Câmara dos Comuns sobre a correcção do registo oficial, na sequência de uma campanha dos verificadores de factos Full Fact”, exemplifica.
Noutras regiões, os verificadores de factos trabalham com agências de estatística, defendem a abertura do governo, operam amplas coligações contra a desinformação e gerem programas de literacia mediática.
Na Europa, por exemplo, a European Fact-Checking Standards Network (Rede Europeia de Normas de Verificação de Factos) tem uma equipa que trabalha em políticas públicas, algo que não é possível em muitas partes do mundo.
Esta amplitude crescente de abordagens reflecte a forma como a compreensão sobre a informação falsa mudou.
Cunliffe-Jones cita ainda Tom Rosenstiel, da Universidade de Maryland, que observou em 2017: "A desinformação não é como a canalização, um problema que se resolve. É uma condição social, como o crime, que deve ser constantemente monitorizada e ajustada".
Reflecte também as diferentes culturas organizacionais das operações criadas pelas empresas de comunicação social, pela sociedade civil e pelas instituições académicas.
“O quadro, em resumo, é mais complexo do que foi sugerido e, em muitas partes do mundo, se não em todas, também mais esperançoso”, conclui.