O Setenta e Quatro, lançado em Julho de 2021, chegou ao fim, “por razões exclusivamente financeiras”, anunciou a própria publicação no final de Março.

“O Setenta e Quatro fica-se por aqui”, escrevem os jornalistas no último editorial. “Há vários meses que o projeto se confrontava com dificuldades financeiras e a nossa pequena redacção fez o possível e o impossível para que o Setenta e Quatro continuasse a trilhar caminho. Mas a nossa permanente teimosia deparou-se com uma muralha, e há um momento em que o espírito de combate já não basta.”

Fundado “em plena pandemia”, na origem deste projecto esteve a vontade de criar “um jornal de investigação assente num jornalismo diferente: um que se posicionasse no campo progressista, frontalmente comprometido com a democracia, que desafiasse a extrema-direita e o discurso de ódio e todas as formas de discriminação”, descrevem os jornalistas.

Durante quase três anos, o Setenta e Quatro publicou nove investigações, “em média uma a cada três meses”, de denúncia e escrutínio de práticas sociais e políticas, além de “dezenas de entrevistas, reportagens, artigos longos, ensaios e crónicas”.

O projecto foi financiado por quase duas mil pessoas, que subscreveram o jornal e contribuíram nas campanhas de crowdfunding. “Poderiam ter simplesmente olhado para o lado. Afinal de contas, os nossos conteúdos eram gratuitos de qualquer das formas. Acreditamos que o fizeram por encararem o jornalismo como bem público essencial para a democracia e acreditarem na importância do jornalismo sem fins lucrativos quando a democracia está ameaçada por dentro”, lê-se no editorial.

“Um projeto jornalístico destes é necessário para a saúde da democracia, mais ainda quando se celebram 50 anos do 25 de Abril e da democracia portuguesa com 50 deputados de extrema-direita no parlamento”, diz também o texto.

No entanto, aqueles contributos não foram suficientes. “O problema é sempre o mesmo: o financiamento, não a qualidade editorial”. O jornal conta actualmente com 33,9 mil seguidores no Instagram e a publicação de anúncio de fecho do jornal recebeu mais de 11,5 mil reacções.

“O modelo de negócio tradicional do jornalismo está morto e enterrado e todos nós o sabemos”, declaram. “O diagnóstico está mais do que feito, mas as acções tardam em chegar”,  continuam.

Portugal vive “em completo contraciclo com a maioria dos Estados-membros da União Europeia: não tem qualquer política de financiamento público do jornalismo nem um sector forte de mecenato”, afirmam, alertando para que “mais redacções se confrontarão com o seu fim se nada fizermos enquanto sociedade”.

No editorial, os jornalistas do Setenta quatro defendem que “está na hora de tirarmos a cabeça da areia” e de “debatermos finalmente o financiamento público do jornalismo, um financiamento que seja direto, estrutural, transparente e independente dos poderes político e económico”. “Está na hora de quebrarmos tabus e de tudo fazermos para salvar o jornalismo, não temos tempo a perder”, concluem.

A notícia surge num contexto em que a precariedade e as dificuldades de financiamento no jornalismo em Portugal se têm vindo a manifestar de várias formas, tendo-se realizado, no passado dia 14 de Março, uma greve geral do sector, a primeira desde os anos 1980.

(Créditos da imagem: captura de ecrã do site do jornal)