“Ferramentas de visibilidade” em reforço da capacidade da redacção

Neel Dhanesha, redactor no Nieman Lab, escreveu um artigo que acompanha o processo de criação de um recurso de inteligência artificial que pode vir a ser um “braço direito” para os jornalistas.
A ideia teve como base o podcast de Joe Rogan, comediante e podcaster norte-americano, que conta com quase 2 300 episódios ao longo de 15 anos. Cada episódio tem uma duração média de mais de duas horas e meia e são lançados três a quatro vezes por semana, “o que significa que para obter a experiência completa seriam necessários cerca de 240 dias de audição ininterrupta”.
O autor conta que, após as eleições de 2024, os jornalistas Kaveh Waddell e Patrick Swanson ficaram “um pouco obcecados” com Joe Rogan. Criaram um laboratório de consultoria de IA chamado Verso, e Swanson “ficou particularmente interessado na entrevista de três horas de Rogan com Donald Trump, que disse ter visto seis ou sete vezes”.
A influência de Rogan nas eleições foi amplamente discutida devido à sua capacidade de atingir eleitores masculinos indecisos, “e a participação de Trump no podcast deu-lhe uma plataforma fácil e sem conflitos - Rogan tende a não verificar os factos dos seus convidados - e acesso a esse público”.
Em conversa com o autor do texto, Patrick Swanson explicou que lhe pareceu ser “um momento cultural tão importante que queria mesmo perceber o que se estava a passar”. Foi assim que Swanson e Waddell começaram a falar em criar uma ferramenta de inteligência artificial (IA) que pudesse fazer a escuta por eles e, algumas semanas depois, nasceu o Roganbot.
Esta ferramenta funciona da seguinte forma: ouve os episódios do podcast de Joe Rogan, cria transcrições pesquisáveis ligada ao áudio com registo de data e hora e organiza os episódios por tópicos-chave, citações, controvérsias e sugestões de verificação de factos. Permite uma exploração profunda do conteúdo e facilita a procura de informações específicas.
“O Roganbot é um teste para um conceito mais amplo a que Swanson e Waddell chamam ‘ferramentas de visibilidade’ - ferramentas de investigação alimentadas por IA que podem ajudar os jornalistas a manter o controlo sobre tópicos específicos sem terem de investir horas a vasculhar transcrições ou conjuntos de dados”. A utilidade destas ferramentas varia conforme o contexto, como no caso do Roganbot, útil para acompanhar certos temas, ou para jornalistas locais, que poderiam usar um sistema semelhante para ouvir reuniões da câmara municipal.
Waddell descreve as “ferramentas de visibilidade” como instrumentos que ampliam a capacidade de uma redacção, dando aos jornalistas "olhos e ouvidos onde não os têm". Estes recursos podem ser personalizados para o utilizador e realizar tarefas específicas.
No entanto, construir uma ferramenta como o Roganbot é desafiador, especialmente para garantir que a IA não adopte o ponto de vista do material de origem, contou Waddell. Isto é, “não se quer que uma ferramenta que analisa Joe Rogan soe como Joe Rogan. Por enquanto, cada instância do Roganbot está isolada, o que significa que a IA só sabe o que aconteceu num único episódio do podcast de cada vez”.
O objectivo de Waddell e Swanson é criar uma ferramenta que possa rastrear todo o conteúdo de Rogan, “mas também o maior ecossistema dos media de direita, de influenciadores e streamers a veículos mais tradicionais como a Fox News. Afinal de contas, Rogan, ao contrário do bot, não existe no vácuo, e as ideias que acabam no seu programa têm muitas vezes origem noutros sítios”.
Swanson explicou que o alargamento desta ferramenta abre um leque de possibilidades: “Podemos identificar coisas como: onde é que uma ideia começa? Para onde é que ela vai a seguir? Quem está a espalhá-la? Como é que acaba no podcast do Rogan? Isto permitir-nos-ia ter uma visão muito melhor deste espaço gigantesco, importante e de grande alcance dos media”.
O autor considera que o conceito de “seguir uma ideia” é atraente porque, na internet, existem camadas de subculturas que desenvolvem o seu próprio léxico, o que parece tornar impossível seguir o rasto de uma ideia ou teoria da conspiração. “Quando a semente de uma ideia quebra o confinamento e chega ao palco nacional, já terá criado raízes profundas num qualquer canto da Internet. A promessa de ferramentas de visibilidade como o Roganbot é encontrar esse canto muito mais facilmente do que nunca, permitindo aos jornalistas expor as raízes quando, por exemplo, um candidato presidencial acusa os imigrantes de comerem animais”.
Para já, o Roganbot ainda não é um produto público. A Verso, empresa de Swanson e Waddell, tem-se concentrado em ajudar organizações de notícias com estratégias de IA e a criar ferramentas personalizadas, embora tenham sido procurados por engenheiros, académicos e investigadores de desinformação interessados em colaborar no projecto.
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