Especialistas debatem impactos da inteligência artificial no jornalismo
No passado dia 22 de Outubro, realizou-se, em Londres, a Trust Conference, o prestigiado encontro anual da Thomson Reuters Foundation.
Estiveram presentes centenas pessoas, incluindo alguns nomes influentes do mundo da tecnologia, do jornalismo e dos direitos humanos.
O Reuters Institute for the Study of Journalism publicou um resumo com algumas das principais ideias partilhadas na conferência.
A desinformação gerada por IA
Vários participantes da conferência lembraram que o fenómeno da propagação de informação falsa não é novo e que ainda é cedo para perceber quais serão os reais impactos da inteligência artificial (IA) nesse âmbito.
Ritu Kapur, co-fundadora e presidente da Quint Digital Limited, empresa de media digital de referência na Índia, afirmou que “não é necessária a IA para gerar desinformação” e que “já existe muita” informação falsa a circular sem recorrer à IA.
Nas recentes eleições no país, por exemplo, a responsável diz que a maioria das imagens e vídeos gerados por IA publicados online foi dedicada à sátira e ao entretenimento.
Também Rasmus Kleis Nielsen, ex-director do Reuters Institute e professor na Universidade de Copenhaga, apontou que “a desinformação mais relevante é autêntica, vem das pessoas com mais poder, e não está necessariamente online”.
Ainda assim, existe a consciência de que a IA pode vir a exacerbar os riscos da desinformação.
O uso da IA nas redacções
Vários oradores deram exemplos de como a IA já está a ser utilizada nos processos de trabalho jornalístico, desde a ajuda em investigações até ao processamento de tarefas administrativas mais monótonas.
Kara Swisher, jornalista norte-americana de referência na área das tecnologias, encorajou as equipas a não desistir da IA e a acolher a tecnologia. “É uma ferramenta magnífica. Seria como odiar a electricidade”, comparou. “A IA é tudo. Comecem a usá-la e entendam o que pode fazer pelo vosso negócio”, reforçou.
Ainda assim, os jornalistas precisam de ser prudentes e metódicos na forma como aplicam estas tecnologias, sublinharam alguns conferencistas.
Glenda Gloria, editora executiva do Rappler, site de notícias das Filipinas fundado por Maria Ressa, prémio Nobel da Paz em 2021, diz que é preciso ter linhas orientadoras.
A editora partilhou que a sua equipa faz sempre três perguntas-guia para decidir se deve ou não usar a IA: “Enriquece o nosso jornalismo? Ajuda-nos a envolver mais o público? Melhora o negócio?”
A regulação não é simples
Ao mesmo tempo que advoga a favor da IA, Kara Swisher é uma forte defensora da regulação das plataformas das Big Tech. “Há tanta concentração de poder, com as plataformas nas mãos de pessoas que são incompetentes ou que estão activamente a tentar mudar o rumo de eleições, e nem os democratas nem os republicanos estão disponíveis para as regular”, disse a especialista.
No entanto, Ritu Kapur alertou para alguns riscos deste tipo de regulação, dando o exemplo do seu país. “O Governo da Índia tem tentado controlar aquilo que é partilhado online e tem tirado da internet conteúdo sem dar oportunidade de recurso aos criadores dessa informação”, descreveu, acrescentando que “existe um risco real de censura”.
“O problema é o organismo regulador ser o Governo. As entidades reguladoras não podem ser as pessoas que estão no poder”, explicou Kapur.
Além disso, as aplicações de mensagens, como o WhatsApp, facilitam muito a disseminação de informação falsa e tornam a regulação difícil, porque não é possível associar uma etiqueta de alerta nas mensagens de origem duvidosa, como se faz no Facebook ou no Instagram.
Os efeitos da IA nos modelos de negócio
Vivian Schiller, do Aspen Digital, programa dedicado a criar um ambiente mediático e tecnológico que siga os princípios democráticos, admitiu que a IA pode ajudar os jornalistas a “cumprir a sua missão”, “cativar o público” e “até gerar receita”.
No entanto, surgiram preocupações sobre o futuro dos modelos de negócio com a popularização da IA.
Maria Ressa afirmou que as organizações jornalísticas enfrentam um ambiente cada vez mais hostil, no qual o jornalismo de qualidade tem de competir com a informação sensacionalista que dá lucro — e que é promovida pelas plataformas tecnológicas e as redes sociais.
Os conferencistas discutiram, ainda, as questões da confiança e da apropriação, pelas Big Tech, dos conteúdos editoriais protegidos por direitos de propriedade intelectual.
No artigo do Reuters Institute, é possível ver alguns vídeos com excertos da conferência.
(Créditos da fotografia: imagem de capa do artigo do Reuters Institute)