As eleições em Espanha, que se realizarão em breve, foram o mote para a reflexão de Miguel Ormaetxea acerca do papel do jornalismo na sociedade, num artigo publicado na MediaTics. Se as eleições são o momento no qual “está em causa o modelo de país que queremos, urge reivindicar os alicerces de um jornalismo de qualidade”, alerta o jornalista.

“A sociedade digital deu à luz um monstro chamado «infodemia», a saturação de informações manipuladas, falsas, avassaladoras, que produz uma perigosa saturação e desvio da opinião pública”, aponta.

“Muito do que circula nos media e nas redes sociais, não merece ser classificado como jornalismo, tarefa de extraordinária importância para que as sociedades tomem decisões bem informadas”, considera o autor.

Por este motivo, o jornalista indica algumas “bases do jornalismo” de qualidade, “com mais de um século de vigência”, que não estão a ser seguidas por todos os profissionais do sector, aproveitando para dar a sua opinião sobre os factos.

Ormaetxea lembra que uma dessas bases é a de “não misturar informação com opinião”. No entanto, este é um “princípio sacrossanto do bom jornalismo, que é sistematicamente violado, salvo algumas excepções”. O autor ilustra: “vá a uma banca de jornais e olhe apenas para as capas. É de chorar”.

Outro facto que o autor enumera como algo que vai contra o jornalismo de qualidade, é o das “manchetes enganosas, feitas para obter cliques, que escamoteiam a notícia” e “que prometem algo que sabem que não vão cumprir”. Ormaetxea considera que esses meios “deveriam ser castigados para que ninguém os volte a visitar”.

Para além disso, “verificar uma notícia, as suas fontes e fundamentos” e “oferecer às partes mencionadas a possibilidade de dar a sua visão”, é outra das bases do jornalismo de qualidade que, segundo o autor nem sempre é seguida.

O jornalismo que contém “declarações sem substância”, é outro ponto que, segundo Ormaetxea, se trata de “uma verdadeira praga”, mas que enche “os noticiários com uma autêntica «infodemia»”.

Miguel Ormaetxea assinala também: “insultos e desqualificações. Nós, jornalistas, devemos ser censores de um panorama político que chegou ao paroxismo. Quando alguém insulta e ofende, deve deixar de existir informativamente. Isso não é informação, é lixo”, afirma.

“Fora o mórbido, respeite as vítimas”, aconselha o autor noutro ponto do seu decálogo. “Os chamados jornalistas «necrófagos» são uma praga”, aponta.

“A informação chamada do coração, se for feita de forma ética, pode ser respeitável. Mas não é jornalismo, é outra coisa. A vida privada das pessoas não deve ser notícia, excepto quando tem consequências políticas ou criminais”, observa o jornalista, ainda na sua lista de bases do jornalismo de qualidade.

Noutro ponto, Ormaetxea considera que se “a comunicação é um ramo totalmente respeitável do jornalismo, onde actualmente trabalham mais profissionais do que nos media”, então “deve haver uma troca e intercâmbio fluido” entre todos, “respeitando e promovendo um código ético”.

“Cuidado ao confraternizar com as fontes”, alerta o autor no penúltimo item da sua lista. “Estamos aqui para controlar os poderosos, não para servi-los. Com demasiada frequência, ultrapassam-se limites”, afirma.

Por último, não poder “denunciar as empresas ou instituições” nas quais o jornalista “tem interesses”, pode acarretar consequências sérias, segundo o autor, que refere o caso da empresa falida Enron, nos EUA, como algo “paradigmático”, pois muitos dos jornalistas que fizeram notícias falsas sobre esta importante empresa energética, foram pagos pela própria organização. “O resultado foi uma das falências mais notórias dos Estados Unidos”, quando se descobriu que houve fraude nos valores declarados, que estavam muito abaixo do que era noticiado.

Segundo Ormaetxea, assim se vê, através dos exemplos acima descritos, que o jornalismo não tem estado, ultimamente, a seguir as normas ou bases sobre as quais devia assentar inicialmente.

Ormaetxea considera que o facto de a profissão de jornalista estar “encalhada com baixos salários e um desemprego terrível”, faz com que essa circunstância tenha “uma influência notável sobre este estado de coisas”. Por isso, “as associações e federações de imprensa têm aqui um papel muito importante” e “as faculdades e escolas de jornalismo deveriam ser mais activas nesse sentido”, ressalta o jornalista.

O autor assinala, ainda, o Google News, como um meio que propaga esta “infodemia”. Este veículo, “oferece todos os dias um resumo das notícias” escolhidas pelo seu algoritmo “que considera as mais destacadas, em números consideráveis”. Ormaetxea diz que tem “verificado, em vários dias, que mais de metade” dessas notícias “violam claramente os princípios do jornalismo de qualidade”. Por isso, “deveriam ser mais cuidadosos”, adverte, deixando a questão: “será que não podem aplicar um pouco de Inteligência Artificial ao algoritmo de selecção” das notícias?