Evolução da informação digital redefine jornalismo e imprensa enquanto muda estratégias
Após quase 200 anos de equívoco, a distinção entre jornalismo e imprensa assume nova relevância perante a digitalização da vida contemporânea, defende Carlos Castilho, num artigo publicado no Observatório da Imprensa – com o qual o CPI tem uma parceria. Essa transformação tornou-se fundamental para que o jornalismo e a imprensa consolidem os seus “nichos específicos” na economia digital da informação e para desenvolverem novas estratégias de sobrevivência financeira.
Desde o surgimento da comunicação de massa no início do século XIX, os factores económicos levaram à incorporação dos interesses corporativos no discurso jornalístico como parte das estratégias para conquistar consumidores de notícias.
Castilho analisa a história do jornalismo, dividindo-a em fases distintas. A primeira fase, que vai desde o surgimento do primeiro jornal impresso, em 1609, até cerca de 1830, foi caracterizada por indivíduos com causas pessoais ou públicas como principais produtores de notícias. Em meados do século XIX, surgiu a imprensa industrial, dominada por empresas viradas para o lucro, com oferta para grandes públicos. O terceiro período, o digital, iniciado no final do século XX, revolucionou a produção e o público-alvo das notícias.
A era da imprensa baseada em processos mecânicos testemunhou uma simbiose entre o jornalismo e grandes grupos empresariais na área de comunicação pública. O crescimento demográfico mundial também impulsionou a procura por notícias, permitindo que grandes grupos financeiros se envolvessem na produção de notícias, dada a necessidade de altos investimentos em equipamentos. Isto gerou uma dependência do jornalismo em relação ao grande capital.
Essa dependência levou os conglomerados empresariais a cooptarem o discurso jornalístico sobre liberdade de informação como parte da sua estratégia, criando confusão entre liberdade de informação e liberdade de imprensa.
De acordo com Castilho, o jornalismo e o negócio de notícias são guiados por lógicas distintas. O jornalismo tem como objetivo fornecer informações objectivas para que as pessoas tomem decisões informadas, enquanto a imprensa precisa de receitas para operar, inovar e remunerar proprietários e accionistas.
Apesar de terem lógicas distintas, o jornalismo e a imprensa estão estruturalmente interligados. O jornalismo é uma actividade relacional, que envolve jornalistas, testemunhas, protagonistas e pesquisadores. Por sua vez, a imprensa depende de estruturas físicas para organizar e facilitar a relação entre jornalistas e o público.
Enquanto a imprensa, na definição tradicional, não existe sem jornalistas, estes não conseguem exercer a sua função sem um mínimo de apoio de estruturas que permitam a divulgação de notícias.
Entretanto, na era digital, o autor defende que jornalismo e imprensa devem procurar caminhos diferentes para a sobrevivência financeira. O modelo de negócios baseado em notícias e publicidade tornou-se obsoleto, o que obriga o jornalismo a tentar alcançar a sustentabilidade através de uma relação directa com o público, enquanto a imprensa depende do entretenimento para sua receita publicitária.
Esta diversificação é vista como positiva para ambas as partes, uma vez que a digitalização reduziu o valor comercial das notícias a perto de zero, tornando a imprensa incapaz de depender de uma “commodity” desvalorizada. Por outro lado, o jornalismo surge como solução, oferecendo orientação e confiabilidade, para públicos saturados do excesso de oferta de notícias e afetados pela desinformação.