“A maioria dos jornalistas profissionais pode não acreditar, mas as plataformas digitais cumprem hoje o mesmo papel que a impressora de Johannes Gutenberg exerceu no século XV, quando mudou radicalmente a forma pela qual as informações passaram a circular em comunidades sociais”, começa por afirmar Carlos Castilho no seu último artigo publicado no Observatório do Brasil, com o qual o CPI mantém parceria. 

No mesmo sentido, “a era analógica na imprensa criou impérios industriais, famílias milionárias e uma enorme influência política, mas tudo isto entrou em declínio com as novas tecnologias digitais de informação e comunicação, responsáveis pelo surgimento de novos e revolucionários sistemas de comunicação e produção de informações” e “a evolução, geralmente, cobra um preço na transição de um modelo para outro”, refere o autor.

“Inevitavelmente surgiram conflitos de interesses entre os que se sentiram ameaçados pela emergência de novas tecnologias, capazes de gerar o mesmo tipo de acumulação de riquezas que a usufruída pelos barões da imprensa. A actual guerra verbal, financeira e política entre conglomerados jornalísticos e as plataformas digitais é uma manifestação contemporânea dos traumas associados a todas as grandes inovações tecnológicas ocorridas ao longo da história humana. A invenção de Gutenberg, por exemplo, provocou graves conflitos políticos e religiosos entre protestantes e católicos, durante o século XVI”, elucida Castilho.

“O que realmente está em jogo é a resistência ou não às mudanças provocadas por transformações tecnológicas que resultam do avanço inevitável do conhecimento humano. E quando isto acontece, geralmente, as inovações geram desdobramentos positivos e negativos do ponto de vista social”, clarifica.

Por outro lado, “a imprensa já foi associada a adjectivos pejorativos (…) para qualificar publicações, responsáveis por práticas noticiosas condenáveis como sensacionalismo, as notícias falsas e o discurso do ódio, muito comuns no início e em meados do século XX.  Mas “ironicamente”, estes mesmos termos qualificativos são hoje usados “por conglomerados jornalísticos contra as plataformas digitais que abrigam redes sociais, envolvidas com práticas criminosas como extremismo de direita, homofobia, xenofobia e racismo”, refere o autor. 

Há um conflito entre “a plataforma analógica que serve de base para os processos de produção da imprensa convencional, e a digital, materializada em rede sociais de todos os tipos, desde as grandes como Facebook, Twitter, TikTok e YouTube” até outras mais pequenas. Este “é um conflito cuja solução precisa levar em conta o contexto socioeconómico e técnico-científico em que ele ocorre, sob pena de acabarmos lamentando prejuízos que poderiam ter sido evitados”, considera Castilho.

Segundo o autor, as plataformas digitais têm de ser reguladas legalmente, “porque esta é uma condição aceite por todos os membros de uma comunidade nacional”. Portanto, “elas não podem ser excepção”. No entanto, a imprensa também terá de “aceitar que as novas tecnologias mudaram o contexto informativo em vigor na era analógica”, considera.

Nesse sentido, “é inviável regular as plataformas digitais e redes sociais usando leis e valores analógicos, da mesma forma que a crise da imprensa tende a agravar-se”, uma vez que “as regras do direito autoral analógico não funcionam no mundo digital”, pois “as normas criadas para os impressos são inaplicáveis no espaço cibernético”, afirma Castilho.

“E como se não bastasse a complexidade da decisão sobre regulamentar as redes sociais e plataformas digitais, temos agora um problema ainda mais complicado: a inteligência artificial (IA)”, o que “torna obsoletos os actuais esforços para regulamentar actividades na internet e no mundo digital”.

Esta dificuldade prende-se com o facto de a tecnologia estar a avançar “de forma mais rápida do que a capacidade dos seres humanos de aprovar leis e regulamentos”, justifica o autor. “Isto gera um descompasso que gera por sua vez uma enorme incerteza, especialmente entre os tomadores de decisões políticas e corporativas”, acrescenta.

No entanto, “vamos ter que nos acostumar com isto porque a outra possibilidade seria congelar a evolução cientifica e tecnológica, o que é impensável”, conclui o autor.