A “soberania do grotesco” enquanto estratégia de comunicação mediática

Carlos Castilho, no seu mais recente artigo para o Observatório de Imprensa do Brasil, parceiro do CPI, analisa o uso crescente do “grotesco em matéria de manipulação de informações com fins político-eleitorais”. O autor dá como ponto de partida da reflexão a divulgação de uma fotografia explícita dos intestinos de Jair Bolsonaro após uma recente cirurgia: “O procedimento gerou uma enorme polémica porque envolveu situações desde a espectacularização da transferência para o hospital e a escolha do médico, até condutas heterodoxas de auxiliares e parentes na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI). Isto sem falar na intimação judicial assinada por Bolsonaro em aparente violação dos procedimentos de desinfecção hospitalar”.
Um outro exemplo foi a montagem digital de Donald Trump vestido de Papa, divulgada num contexto sensível, após a morte do Papa Francisco. Para Castilho, “foi quase unânime a interpretação de que a montagem fotográfica foi autorizada por Trump para reduzir o impacto da cobertura mundial da eleição de um novo papa, este sim autêntico”.
Segundo o jornalista, estas práticas pretendem desestabilizar os códigos normativos e estéticos da comunicação política tradicional. O grotesco — entendido como aquilo que rompe com os padrões de decoro e racionalidade — torna-se uma arma simbólica de deslegitimação das instituições e da cultura política dominante. O autor recorre ao conceito de “soberania do grotesco”, formulado pelo filósofo e historiador Michel Foucault, para descrever este mecanismo que "maximiza os efeitos do poder a partir da desqualificação de quem os produz”, ou seja, dos seus opositores.
Castilho sublinha que o grotesco não pretende mudar valores ou propor alternativas, mas sim ocupar espaço mediático, chocar, e manter a figura política em constante destaque. “Bolsonaro, que já se autodefiniu como ‘mbrochável’, usa agora a estética do grotesco para se mostrar ‘imbatível’. O presidente argentino Javier Milei é outro adepto do grotesco ao empunhar a sua ridícula motosserra como símbolo de força política”.
A visibilidade contínua nas manchetes aumenta a familiaridade e, consequentemente, a aceitação por parte do público. Neste processo, “a imprensa desempenha um papel-chave no êxito ou fracasso da aplicação da estratégia do grotesco na comunicação política”. A visibilidade pública depende agora, em grande parte, da imprensa e dos algoritmos das plataformas digitais. “Em ambos os casos, o objectivo é captar a atenção das pessoas para criar audiências que, por sua vez, geram receitas publicitárias. A necessidade de cativar audiências para sobreviver economicamente é a grande responsável pela frequência com que ocorrem desvios na orientação editorial da imprensa”, acrescenta Castilho.
Em última análise, o autor questiona o papel da imprensa enquanto promotora da cidadania e do pensamento crítico: “Como a estética do grotesco contribui para este objectivo? A resposta é: Nada, fora o estímulo ao voyeurismo e a morbidez. A única justificação plausível seria atrair publicidade paga usando indivíduos curiosos ou doentios”.
Carlos Castilho finaliza com uma crítica a este comportamento dos media, alertando que ao reproduzirem imagens como a dos intestinos de Bolsonaro ou ao darem palco às “palhaçadas” de Donald Trump, acabam por “colaborar, de forma consciente ou inconsciente, com quem prega o negacionismo dos valores liberal-democráticos”.
(Créditos da imagem: Pixabay)