Cerca de 200 ex-alunos da Bolsa de Jornalistas do Reuters Institute marcaram presenta em Oxford, no início de setembro, para celebrar os 40 anos do programa e debater temas como Inteligência Artificial (IA), saúde mental, diversidade nas redacções, receitas dos leitores e notícias estrangeiras. Do debate saíram cinco principais conclusões: que a IA vai mudar o jornalismo, mas talvez não tão rapidamente como algumas pessoas possam pensar; que para produzir melhor jornalismo, os correspondentes precisam de cooperar com os repórteres locais; que melhorar a diversidade não pode ser um esforço individual; que não existe uma receita única para construir um ótimo modelo de receitas para os leitores e que as práticas informadas sobre o trauma ajudam tanto repórteres como os protagonistas das histórias que contam.

Sobre o impacto das tecnologias emergentes, os membros do painel refletiram principalmente sobre o tema do momento: o impacto da inteligência artificial no jornalismo, mais especificamente sobre a IA generativa. 

Nic Newman, autor principal do Digital News Report, não deixou de referir no painel que vários meios já fazem experiências com IA para coisas como escrever resumos, criar explicadores automáticos ou transformar texto em áudio.

"Podem trabalhar 24 horas por dia e nunca pedem férias ou aumento de salário", brincou Newman. 

Mas o que representa isto para o futuro dos jornalistas? Os membros do painel recusaram a ideia, defendendo que a IA pode ajudar os jornalistas com tarefas repetitivas, como transcrições ou traduções, e ajudá-los a concentrarem-se na produção de artigos mais originais. 

Contudo, Felix Simon, coautor do artigo sobre jornalismo e IA, sublinhou a necessidade de manter a cautela em relação a previsões sobre os próximos anos. 

"Temos de compreender a trajectória histórica destas tecnologias e há poucas razões para pensar que esta nova versão da IA é uma exceção às curvas de entusiasmo a que assistimos no passado. Para o jornalismo, a maior mudança (a ascensão dos media digitais) já aconteceu. O que vemos com a IA é certamente novo e vai ser transformador, mas parece-me, por agora, mais pequeno em comparação", disse Simon neste tópico informativo que publicou após o evento. 

A inovação não é apenas sobre tecnologia, mas sobre a exploração de novos canais e adaptação ou criação de formatos de notícias.

Manjiri K. Carey, editora do BBC News Labs, sugeriu que os jornalistas deviam rever o seu manual à luz do que o público quer. 

"A nossa investigação mostra que o mundo abandonou a pirâmide invertida. As pessoas preferem uma estrutura muito mais linear, com mais contexto, um pouco como um conto de fadas", explicou.

Outra das conclusões destacadas durante o debate foi que para produzir melhor jornalismo, os correspondentes estrangeiros precisam de cooperar com os repórteres locais.

A pouca correspondência estrangeira tem sido marcada por jornalistas que muitas vezes "caem de para-quedas" num país estrangeiro para uma determinada história e, por isso, não têm um conhecimento profundo do contexto local, o que os leva, muitas vezes, a trabalhar com jornalistas locais – mas sem reconhecerem as suas contribuições. 

Por isso mesmo, os jornalistas que participaram no debate sugeriram que uma colaboração aberta com jornalistas locais seria a solução: uma redacção global.

Como exemplo, Saleh Al-Batati, jornalista "freelancer" do Iémen, falou sobre a forma como "a generalização e a simplificação das reportagens sobre os conflitos no Médio Oriente levam a que não se perceba a complexidade”. A jornalista aponta a falta de contexto e a negligência das perspetivas locais como os maiores problemas.

Sobre a pluralidade e vozes, os jornalistas destacaram que, para promover a diversidade e inclusão, os líderes das redacções têm de ir além das palavras e agir – quer através da contratação de jovens jornalistas, quer através de uma liderança diversificada e mais representativa, que impulsione mudanças na cultura das redacções.

"Precisamos dessa visibilidade da liderança que vem de diversas origens", afirmou o produtor da BBC Johny Cassidy. 

Em suma, defendem que uma redacção sem diversidade está a prestar um mau serviço ao próprio jornalismo, por ter uma perspetiva limitada e por isso enviesada.

Sobre o modelo de negócio do jornalismo, a conclusão é há muito conhecida: é preciso abandonar o modelo antigo, mas não existe uma receita única para construir um ótimo modelo de receitas para os leitores.

Para Chanpreet Arora, vice-presidente sénior e chefe de negócios da JioCinema AVOD na Índia, as preferências e os hábitos do público têm de ser tidos em conta, já que os modelos de receitas dos leitores serão muito diferentes de país para país.F

Se os conteúdos oferecidos forem relevantes, então há um mercado. "Quando se tem lealdade do público, as receitas surgem. A fidelidade do leitor, com um pouco de receita do leitor, é a chave, pois garante um certo número de leitores."

Por sua vez, Eduardo Suárez, director editorial do Reuters Institute, defendeu modelos de negócio com vários fluxos de receitasuma vez que os números do Digital News Report mostram que apenas uma minoria na maioria dos países está disposta a pagar pelas notícias.

Contudo, o director defende que os editores de notícias devem expandir a maneira como ganham dinheiro com o envolvimento do público, experimentando formas inovadoras.

"A maioria das organizações noticiosas tem vários fluxos de receitas, mas continua a obter a maior parte do seu dinheiro da publicidade digital e impressa", afirmou. "Só as receitas dos leitores não são suficientes".

No último painel, em referência à saúde mental, os jornalistas reconheceram que há uma certa exposição a traumas no âmbito de algumas reportagens – bem como o trauma dos entrevistados e protagonistas das histórias. 

Por isso mesmo, defendem a importância de reconhecer este facto e estar informado sobre trauma, tanto na redacção como no terreno, não só como forma de salvaguardar os repórteres, mas também as pessoas comuns cujas histórias estão a partilhar.

A jornalista australiana Karen Percy destacou a importância de “compreender como deixamos as pessoas [depois de fazermos as nossas reportagens]. E como jornalistas, temos sempre uma desculpa para telefonar e voltar a contactar."

Na qualidade de Directora Associada do Programa de Bolsas de Estudo para Jornalistas, Caithlin Mercer esclareceu que, quando falamos destas práticas, "não estamos a falar do papel do jornalismo na responsabilização do poder, mas do jornalismo que conta experiências vividas".

O outro lado do bem-estar e da saúde mental no jornalismo é a saúde mental dos próprios jornalistas. Apesar dos progressos realizados nos últimos anos, ainda há redacções cujos responsáveis não estão a fazer nada para garantir o bem-estar dos seus jornalistas.

"Existe um estigma em torno do reconhecimento dos problemas de saúde mental na redacção. Podemos ser rotulados como desordeiros, como alguém que não sabe lidar com as coisas, como uma mulher emotiva, etc., e seremos postos de lado. Por isso, não nos sentimos à vontade para falar sobre estas coisas", disse Bahaar Joya, antigo jornalista multimédia da BBC Persian.