“As últimas semanas não foram gentis com os gigantes das notícias digitais”, começa por dizer Mathew Ingram, num artigo publicado no Columbia Journalism Review (CJR).

“A 20 de abril, a Insider - que pertence à editora alemã Axel Springer - disse que iria demitir 10% da sua equipa, nos Estados Unidos. A 27 de abril, a Vice Media iniciou uma reestruturação, que prevê a perda de mais de cem empregos e o fim da sua transmissão do Vice News Tonight; a 1º de maio, o New York Times informou que a Vice estava a preparar-se para entrar com um pedido de protecção contra falência. Desde então, tem havido relatos de que um acordo com capitais privados poderia resgatar a empresa, embora possa ser avaliada em apenas trezentos milhões de dólares - uma quantia relativamente grande para os padrões quotidianos, mas ainda muito longe dos quase seis mil milhões que se dizia que a empresa valia em 2017”, refere o autor.

Para além destes casos, também “a Disney cortou colaboradores do FiveThirtyEight, o site de notícias” que pertence, em parte, à ABC News. “Vários meios de comunicação mais tradicionais também fizeram cortes este ano, desde o Washington Post ao Gannett”, acrescenta.

No entanto, na opinião de Mathew Ingram, o jornalista e principal redactor do CJR, houve um anúncio recente que se destacou, revelando “um sinal de que está a morrer algo importante” nos media digitais, “pelo menos”, diz o autor, que especifica: “o encerramento do BuzzFeed News e a perda dos seus mais de sessenta colaboradores. (O BuzzFeed continuará no negócio de divulgação de notícias através do HuffPost, que é seu.) “Este momento é parte do fim de toda uma era dos media”, disse Ben Smith, editor fundador do BuzzFeed News, ao Times. É o fim do casamento entre os media digitais e as notícias”, referiu Smith.

Mathew Ingram, diz que, “como acontece com muitos casamentos, o fim deste, dificilmente terá sido uma surpresa” para quem estivesse atento.

O autor explica esta sua afirmação, referindo que “as demissões no BuzzFeed News tornaram-se a norma nos últimos anos”, incluindo duzentos cortes nos seus postos de trabalho, no início de 2019. Para além disso, o BuzzFeed fez uma abertura de capital em, 2021, o que levou a que algumas pessoas esperassem que tal situação traria prosperidade à empresa. No entanto, as suas acções caíram. “A empresa valia mil milhões de dólares logo após a sua oferta pública inicial”, e agora o valor das suas acções indica que vale “menos de oitenta milhões de dólares”, especifica o jornalista.

“Em 2017, o crescimento da receita do BuzzFeed começou a desacelerar, e em 2018, o Facebook”, onde o site apostou como meio de divulgação das suas notícias,fez uma série de mudanças no seu algoritmo” para “mostrar aos usuários um conteúdo mais «pessoal», como fotos e publicações de amigos, antes dos artigos das publicações externas”. Ora, “para alguns meios de comunicação”, estas mudanças significaram dificuldades e até a sua morte”, avalia o autor.

“O BuzzFeed não foi atingido com tanta força, mas foi: de acordo com uma estimativa de um ex-colaborador, histórias que antes acumulavam até duzentas mil visitas tinham, agora, um décimo” desse número, comenta o jornalista.

Ingram lembra o que escreveu em 2019, quando disse que «os editores do BuzzFeed (e de tantos outro) se sujeitaram”, firmemente, ao comboio do Facebook, “mesmo depois do império de Zuckerberg mostrar amplas evidências de que iria mudar os seus objectivos sobre as publicações”, na sua plataforma.

Num memorando recente, que anuncia o encerramento do site, o CEO do BuzzFeed, Jonah Peretti, admitiu que “demorou a aceitar que as grandes plataformas não iriam promover a distribuição ou o apoio financeiro necessário para apoiar o jornalismo premium e gratuito”.

Entretanto, segundo o que os colaboradores do site publicaram pouco antes do seu encerramento, tornam óbvio que muitas pessoas que ali trabalhavam sabiam que “os bons tempos não durariam”, diz Ingram.

O jornalista conta que, na altura em que tudo parecia estar a correr bem, Albert Samaha, um repórter na área da cultura, recorda que havia “almoços grátis e montes de gente feliz a saltar”. Karolina Waclawiak, ex-editora chefe do BuzzFeed News, disse que, quando começou a trabalhar na área da cultura, perguntou qual seria o orçamento para aquela secção e a resposta que obteve foi: “não pergunte ou pode vir a ter um”. Quando esta profissional viu o que os editores de outras áreas estavam a pagar pelas suas histórias, ficou “em choque absoluto”, disse, acrescentando que “sabia que aquilo não poderia durar.”

“Alguns observadores parecem dispostos a perdoar Peretti e Smith pela sua falta de previsão. Hillary Frey, editora-chefe da Slate, escreveu recentemente que Peretti financiou uma organização de notícias com “um grande grupo de jornalistas que estavam a reescrever as regras e a descobrir como nadar ao lado das correntes da internet”, e “quando não estava a correr tão bem, ele subsidiou aquela divisão de notícias com dinheiro de outras propriedades suas”.

Mas alguns vêem o fim do BuzzFeed News, “não apenas como o fracasso de uma redacção individual, mas como uma acusação mais ampla aos media orientados para o digital”, refere Ingram. “Leah Finnegan, ex-editora do Gawker, escreve no The Baffler que o declínio do BuzzFeed News e de outros meios de comunicação mostra que “o jornalismo é incompatível com o tráfego [e] perseguir os dois ao mesmo tempo é uma tarefa tola”, relata.

Max Read, outro ex-editor da Gawker Media, diz que “a corrida para se tornar viral parece”, agora, “patética”, e “um desperdício inútil de criatividade jornalística e recursos gastos em busca de uma estratégia de negócios condenada”. Num artigo publicado no The New Yorker, Nathan Heller, argumenta que “viver no trânsito é viver sob as regras das plataformas que comandam o trânsito”, uma revelação que “parece ter chegado, surpreendentemente, tarde”, conta o autor.

Entretanto, John Herrman, ex-colaborador do BuzzFeed News, escreveu no New York que a morte do BuzzFeed News “deixa claro o absurdo de um casamento entre os media de notícias e uma especulativa indústria de tecnologia que só pode conceituá-la como uma ameaça”.

“Numa newslewtter, o Read, por sua vez, argumenta que as condições que favoreceram o BuzzFeed durante tanto tempo, chegaram ao fim, como resultado da convergência de outras tendências. Uma delas foi que as publicações antigas, como a Times, “uniram-se e perceberam que era trivialmente fácil” competir e contratar através das novas startups digitais. Outra foi a de que o Facebook percebeu que não queria realmente estar no negócio das notícias, afinal”, explica o jornalista.

Será então, que “a morte do BuzzFeed News significa, realmente, o fim do jornalismo digital como um todo?”, pergunta o autor.

Isto sugere, inquestionavelmente, que enredar “as fortunas de uma redacção a uma plataforma massiva - uma que deixou claro que fundamentalmente não se importa com o jornalismo - foi e continua a ser um erro”, considera.

“E, como aponta Finnegan, isto denuncia a mentalidade” existente de fazer “qualquer coisa por cliques”, “que o BuzzFeed fez, por vezes”, refere.

Isto não significa que notícias e jornalismo não devam ser partilhados nas redes sociais. Mas significa que a capacidade de partilha não deve ser a sua total, ou mesmo a peça central, da estratégia de negócios para as notícias”, diz Ingram.

“Esta conclusão leva a uma segunda pergunta: se a era das notícias nas redes sociais já passou, o que vem a seguir?”, questiona o autor. “A resposta, talvez, pareça mais fragmentada - e não tanto parecida com a do passado”, diz.

“Frey argumenta que há uma razão pela qual veículos como o Times e o Slate ainda existem: “este tipo de lealdade foi construída através de homepages e curadoria, não na distribuição pelo Facebook ou no Twitter”, lembra o jornalista.

“Ben Thompson, um analista de media, que já chamou o BuzzFeed News de «a entidade de notícias mais importante do mundo», reconheceu, em 2019, que estava errado. A única maneira de construir um negócio num espaço dominado por uma plataforma como o Facebook, escreveu ele na época, é «contorná-lo». Bom conselho, talvez. Mas um pouco tarde para o BuzzFeed, o Vice e muitos outros”, conclui Mathew Ingram.