A imprensa não existe sem democracia, mas a democracia talvez já não precise da imprensa — tradicional, pelo menos. Este é o ponto de partida de uma recente reflexão de Carlos Castilho no Observatório da Imprensa, com o qual o Clube Português de Imprensa mantém uma relação de parceria.

O jornalista argumenta que, embora a imprensa convencional saia debilitada, os “princípios democráticos” não perdem necessariamente a “validade social e política” com a alteração da dinâmica de circulação de informação provocada pelas tecnologias digitais de comunicação.

O “monopólio da imprensa tradicional na oferta de notícias” e o “sistema verticalizado e centralizado de fluxo de dados, factos, eventos e ideias” tornaram-se obsoletos perante o potencial da Internet, e perderam audiência para as redes sociais e para os projectos jornalísticos independentes.

Na opinião de Carlos Castilho, “uma democracia pós-imprensa não significa a eliminação dos jornais”. Significa, isso sim, que os jornais deixarão de ter o papel “hegemónico” que já tiveram como “agentes da formação da agenda pública”.

O caso do Brasil

Para ilustrar esta realidade, o jornalista recorre aos dados de 2024 do estudo “Como o Brasileiro de Informa”, que analisa o consumo de notícias naquele país.

Num segmento específico da população — pessoas com curso superior, acima dos 50 anos e que acompanham as notícias diariamente —, duas das cinco fontes de informação mais consumidas fogem aos “padrões editoriais da imprensa convencional: o projecto jornalístico do Instituto Conhecimento Liberta [ICL] e a Revista Oeste”.

Entre estes, é o ICL Notícias que mais surpreende Carlos Castilho, tendo sido considerado uma fonte mais fiável do que o jornal O Globo. Por seu turno, os jornais Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo ocupam, no estudo, respectivamente o oitavo e nono lugares na lista das fontes em que o inquiridos mais confiam.

“Trata-se de uma mudança surpreendente nos índices de credibilidade da imprensa brasileira e uma profunda transformação nos hábitos informativos das pessoas comuns”, comenta o autor do texto.

Ainda assim, estes dados reflectem apenas a análise dos comportamentos “no segmento dos consumidores intensivos de notícias”. “Falta verificar como a mudança está acontecendo nos demais sectores da opinião pública, especialmente nos 51% dos brasileiros que procuram notícias em redes sociais”, acrescenta o jornalista.

As novas estruturas editoriais

Se, por um lado, a diversificação de fontes tem um “lado promissor” na democracia pós-imprensa, por outro, “tem a sua face sombria”, representada pelos conglomerados mediáticos e pelas grandes plataformas digitais, como a Meta, Apple e X, considera Carlos Castilho.

Neste novo ecossistema informativo, a estruturas jornalísticas tradicionais “perdem eficiência”, “porque não conseguem acompanhar a rapidez das interacções em redes sociais digitais”.

“Os sociólogos ensinam que novas práticas inevitavelmente geram novas estruturas, que são a forma pela quais as inovações passam a integrar a rotina e determinar regras”, lembra o autor do texto.

Tecnologias como a realidade virtual, a inteligência artificial e a análise de grandes quantidades de dados já estão a dar origem a novas práticas, que “começam a ser formalizadas em estruturas como, por exemplo, o jornalismo com algoritmos, a verificação de factos, as narrativas multimédia”.

“O problema é que as novas estruturas da comunicação e informação ainda estão na fase experimental” e “a confusão e a desorientação são inevitáveis”, comenta.

Assim, Carlos Castilho remata dizendo que, para já, é “imprevisível a relação entre democracia e o ecossistema noticioso digital criado pelas tecnologias digitais e pelas redes sociais”.

(Créditos da fotografia: Jakob Owens no Unsplash)