Num artigo publicado no "NiemanLab", Joshua Benton analisa a ameaça que a desinformação representa para a democracia, destacando a preocupação crescente com aquilo que descreve como “fechamento epistémico” para descrever a tendência de certos sectores políticos se isolarem da realidade. 

Segundo explica Joshua Benton, este termo foi popularizado durante os primeiros dias da administração Obama, quando “alguns dos laços intelectuais internos do Partido Republicano estavam a começar a fracturar”.

Um artigo de Patricia Cohen, publicado no "New York Times" em 2010, refere que a expressão era “utilizada como abreviatura por alguns conservadores proeminentes para designar uma espécie de espírito fechado no movimento, um desenvolvimento que consideram estar a desvalorizar a orgulhosa história intelectual do conservadorismo moderno”. 

Utilizada pela primeira vez neste contexto, o autor Julian Sanchez, do Cato Institute, introduziu o termo "fechamento epistémico" como uma abreviação para intolerância ideológica e desinformação.

Segundo Sanchez, referindo-se a canais como a Fox News e a National Review e a estrelas de "talk-shows" como Rush Limbaugh, Mark R. Levin e Glenn Beck, estes "tornaram-se preocupantemente desvinculados da realidade, à medida que o ímpeto de satisfazer a procura por ‘carnificina’ ultrapassava qualquer motivação para informar com exatidão". 

Segundo o artigo no NYT, tal levou muitos conservadores a desenvolverem um sentido distorcido de prioridades e uma tendência para se envolverem “em fantasias”, como a crença de que Obama não nasceu nos Estados Unidos ou que o projecto de lei sobre cuidados de saúde teria outras intenções.

Para Benton, “a última década tem sido um período de grande expansão para todas as coisas epistémicas” e aponta assim a internet como “um motor poderoso para a criação de desconfiança e uma fonte rica de matérias-primas para falsas crenças”.

Nesse contexto, sugere um o artigo académico intitulado "Misinformation and the Epistemic Integrity of Democracy", escrito por vários investigadores de instituições como Harvard, Cambridge e entre outras universidades.

“Analisamos as provas da existência de campanhas de desinformação generalizadas que estão a minar este conhecimento partilhado. Estabelecemos um padrão comum através do qual a ciência e os cientistas são desacreditados e como a fronteira mais recente desses ataques envolve os investigadores na própria desinformação”, escreveram os investigadores.

Os autores do estudo introduzem a ideia de uma "teoria epistémica da democracia," argumentando que a legitimidade da democracia está ligada ao seu funcionamento eficaz com base em informações precisas partilhadas pelos cidadãos.

“Podemos certamente argumentar sobre justiça ou direitos civis – que todos os seres humanos merecem ter uma voz no Estado. Os democratas epistémicos acrescentam outro argumento: A democracia é legítima porque funciona. A ‘sabedoria da multidão’ é uma coisa real nas suas mentes, e as decisões tomadas a um certo nível por um grupo diverso e heterogéneo de cidadãos são provavelmente melhores do que as tomadas, por exemplo, por um ditador ou um teocrata”, escreve Benton.

Contudo, para que os cidadãos sejam sensatos, têm de ter acesso a informação precisa e verídica.

“Esta preocupação é particularmente premente quando as decisões exigem a consideração de provas científicas, como é o caso da saúde pública ou das alterações climáticas”, escrevem os investigadores, justificando que a disseminação contínua de desinformação sobre questões científicas também prejudica a democracia.

Para os autores, a desinformação teve um papel crucial em relação às alterações climáticas, à pandemia de Covid-19 e mesmo às eleições norte-americanas (#StopTheSteal).

E, segundo explica Benton, a ira dos “epistemicamente fechados” é muitas vezes dirigida a indivíduos específicos - muitas vezes cientistas e investigadores - que são apontados como condutores da conspiração.

Por vezes, os próprios investigadores tornam-se alvos de políticos, que os retratam como parte de uma conspiração de censura. Estes ataques têm impacto na pesquisa sobre a desinformação e podem afetar a interação do público. 

Apesar de reconhecer que a desinformação é uma ameaça à democracia, o artigo expressa cepticismo em relação a algumas soluções propostas, como relatórios de plataformas obrigatórios e intervenções comportamentais em pequena escala, considerando-as pouco susceptíveis de fazer diferença perante estas forças” de desinformação.

Para Benton, este “fechamento epistémico” é fundamentalmente “um fenómeno de grupo”, mas considera que ao atacarem pessoas que representam fontes externas de conhecimento – como os responsáveis pela saúde pública, os cientistas climáticos, os investigadores da desinformação – têm um impacto externo que vai além de qualquer "fechamento".Benton termina com uma citação de Lewandowsky, destacando a ironia de que, no momento da análise, um dos lados políticos parece mais preocupado com a investigação sobre a desinformação do que com os riscos reais que a desinformação representa para a democracia – o que levanta questões sobre como efectivamente lidar com a desinformação e preservar a integridade da democracia.