Congelamento da ajuda externa dos EUA aos “media” gera crise no jornalismo

Donald Trump suspendeu a contribuição de mais de 268 milhões de euros para apoiar a comunicação social independente. A organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF) explica que esta situação “mergulhou ONGs, meios de comunicação e jornalistas que desempenham um trabalho vital numa incerteza caótica” e apela ao apoio público e privado internacional “para se comprometerem com a sustentabilidade dos media independentes”.
O congelamento da ajuda externa dos EUA, anunciado pelo novo presidente, gerou uma crise na Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID). Os programas desta agência têm apoiado os media independentes em mais de 30 países e, em 2023, financiaram “formação e apoio para 6 200 jornalistas, auxiliaram 707 meios de comunicação não estatais e apoiaram 279 organizações da sociedade civil do sector dos media dedicadas a fortalecer a comunicação social independente”.
Agora, o site da USAID está inacessível, a sua conta no X foi suspensa, a sede da agência foi fechada e os funcionários foram orientados a ficar em casa. Elon Musk, responsável pelo Departamento de Eficiência do Governo, chamou a USAID de "organização criminosa" e indicou o encerramento da agência. No mesmo dia, Marco Rubio foi nomeado director interino da USAID e sugeriu a transferência das suas operações para o Departamento de Estado.
“Quase imediatamente após o congelamento entrar em vigor, organizações jornalísticas em todo o mundo que recebem financiamento da ajuda dos EUA começaram a contactar a RSF, expressando confusão, caos e incerteza. As organizações afectadas incluem grandes ONGs internacionais que apoiam a imprensa independente, como o Fundo Internacional para a Imprensa de Interesse Público, e meios de comunicação mais pequenos que servem públicos a viver sob condições repressivas em países como o Irão e a Rússia”.
Os RSF indicam que muitas organizações “hesitam em chamar a atenção para o problema por medo de pôr em causa o financiamento a longo prazo ou de sofrerem ataques políticos”.
Por todo o mundo, meios de comunicação e organizações têm sido forçados a suspender algumas das suas actividades “da noite para o dia”. Uma jornalista de um meio de comunicação bielorrusso exilado explicou aos RSF que, se não forem encontradas soluções, não irão conseguir publicar mais artigos. Nos Camarões, um meio de comunicação de interesse público, o DataCameroon, foi obrigado a interromper projectos. Também um meio iraniano exilado teve de suspender colaborações e fazer cortes nos salários. Uma jornalista iraniana exilada entrevistada pelos RSF alerta que o impacto do congelamento de financiamento “pode silenciar algumas das últimas vozes livres remanescentes, criando um vácuo que a propaganda estatal iraniana inevitavelmente preencheria".
Na Ucrânia, 9 em cada 10 meios de comunicação dependem de subsídios, sendo a USAID o principal doador. Com a suspensão do apoio, “vários meios locais já anunciaram a suspensão das suas actividades e estão à procura de soluções alternativas”.
A organização explica os riscos da suspensão dos apoios: “Pode abrir portas para outras fontes de financiamento que procurem alterar a linha editorial e a independência dos meios de comunicação”. Anna Babinets, CEO e cofundadora do Slidstvo.Info, um meio de comunicação independente de investigação com sede em Kiev, explica que "alguns meios de comunicação podem ser fechados ou comprados por empresários ou oligarcas. Acho que o dinheiro russo vai entrar no mercado. E a propaganda governamental, claro, vai se intensificar".
Os próprios RSF já foram testemunhas dos efeitos directos desta propaganda: um vídeo falso alegou que a organização apoiava a suspensão do financiamento da USAID para os media ucranianos, uma posição que esta entidade diz que nunca endossou.
Alternativas precisam-se
“Esta situação destaca a fragilidade financeira do sector. Um relatório recente da RSF destaca a necessidade de focar na recuperação económica do panorama dos media independentes ucranianos, enfraquecido pela invasão russa, que o estudo dos RSF estima em pelo menos 96 milhões de dólares ao longo de três anos”.
Além da redução do apoio na Ucrânia, os meios de comunicação também enfrentam ameaças aos seus modelos financeiros noutros países. A Lei da Transparência da Influência Estrangeira da Geórgia, inspirada na legislação russa, colocou várias organizações de media em risco. O primeiro-ministro da Geórgia saudou a decisão de Donald Trump.
Embora a suspensão seja temporária - de acordo com o governo americano, deverá durar 90 dias -, há quem tema que a revisão dos contratos de financiamento “possa levar muito mais tempo” e que os fundos sejam cortados permanentemente. Katerina Abramova, directora de comunicações do principal meio de comunicação russo exilado Meduza, destaca que “os media exilados estão numa posição ainda mais frágil do que outras, pois não conseguem monetizar o público e o financiamento colectivo tem limites, especialmente quando doar para a Meduza é crime na Rússia".
Para os meios de comunicação vulneráveis à suspensão da ajuda americana, a prioridade está, agora, na recuperação e na procura urgente por financiamento alternativo.
(Créditos da imagem: Ray Dehler em Wikimedia Commons)