Um passo em falso do ex-Presidente
Desde Fevereiro que se mantém um empate na votação entre os membros eleitos e designados na Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) para cooptar o futuro presidente daquela estrutura.
Enquanto os jornalistas defendem a indigitação de Luísa Meireles, actual directora da Lusa, advogada e jornalista, os representantes das empresas de comunicação social fazem outro tanto com Henrique Pires Teixeira, também advogado há muito ligado aos media, designadamente, de âmbito regional e que já presidiu àquele órgão, sem nada que se lhe aponte em seu desfavor.
Na última reunião o impasse repetiu-se, não se sabendo ainda quando voltarão as duas partes a sentar-se à mesa para chegar a um consenso, se é que haverá consenso se ambos os nomes se mantiverem.
Os jornalistas sindicais não cedem e os representantes dos operadores também não.
Foi neste contexto que, inopinadamente, o ex-Presidente da República, general Ramalho Eanes, resolveu publicar um artigo de opinião no jornal “Público”, no qual tece várias considerações sobre o estado actual dos media portugueses, preocupado com a “crise da comunicação social”, que “não é apenas uma crise no sector”, mas “uma crise que toca no amago da democracia”.
Mais adiante, defenderia no mesmo tom grave que “o jornalismo é expressão directa da cidadania esclarecida e responsável e condição necessária para o pluralismo e a liberdade”.
E foi com base nestes pressupostos que Eanes esclareceu, por fim, ao que vinha.
Afinal, tratava-se, tão somente da querela à volta do próximo presidente da CCPJ, órgão emissor da carteira profissional de jornalista, que “é bem mais que um documento administrativo. É a certificação de uma capacidade para o exercício de uma missão pública”.
Como membro fundador da CCPJ - e aqui está a minha declaração de interesses – não posso estar mais de acordo, genericamente, com Eanes.
O problema, porém, surge logo a seguir, quando o ex-Presidente abandona a neutralidade que lhe seria exigível em tal matéria, que não lhe diz respeito, para subscrever “a proposta apresentada pelos jornalistas eleitos para a presidência da CCPJ”, ou seja, “a nomeação da Dra. Luísa Meireles”, que considerou “equilibrada e virtuosa”.
Por motivos que escapam a qualquer observador fora do eixo da CCPJ, deve ser muito importante para o Sindicato dos Jornalistas e para Luísa Meireles a insistência no seu nome. E deduz-se que os patrões dos media terão, também, as suas razões fortes para não abdicarem da sua proposta, quando se percebe serem toscos os argumentos contra Henrique Pires Teixeira, cujo currículo é respeitável e já presidiu, sem sobressaltos, à mesma Comissão.
O que espanta neste impasse é o envolvimento público de Ramalho Eanes na cooptação para o órgão responsável pela emissão da carteira profissional de jornalista, tomando partido por um dos nomes sobre a mesa, como se estivessem em causa o jornalismo e a democracia.
Recorde-se, a propósito, que, antes de a CCPJ ter sido criada, cabia ao Sindicato dos Jornalistas a emissão da carteira profissional de jornalista, um absurdo que durou tempo demais e cuja perda os sindicalistas nunca perdoaram. Talvez Ramalho Eanes já não se lembre disso… E ao apoiar uma das candidaturas, deu um “passo em falso” sem necessidade.