O radicalismo e os “brandos costumes”…
Após os tumultos que bordaram de violência gratuita os subúrbios da grande Lisboa, a hipótese de um treinador de futebol bem-sucedido mudar de clube transtornou seriamente os nossos media, com a preponderância habitual nas televisões, temáticas e generalistas.
Se no caso dos vandalismos à solta nas periferias urbanas — e até no interior da capital —, as televisões não se pouparam nos directos, com alguns dos seus repórteres no terreno a excederem-se na impreparação e na irresponsabilidade, já em relação à transferência do treinador desportivo, quando nem sequer estava confirmada, os principais blocos noticiosos desdenhavam do bom senso e dedicavam ao assunto boa parte dos seus alinhamentos, como se fosse a notícia mais importante do dia.
Esta hierarquização leviana de temas tem vindo a agravar-se, quase tanto como a proliferação de “comentadores” em antena, desde os políticos comprometidos com a sua agenda própria, até aos desportivos engajados nas suas assumidas opções clubísticas.
O resultado é perturbador. E a “guerra das audiências” não explica tudo.
O “jornalismo de causas” tem oferecido o lastro de que se aproveitam os extremismos, à esquerda e à direita, e quer este desvio, quer o “jornalismo clubístico“ são factores que ajudam a semear tempestades, no interior de uma opinião pública pouco espessa e amadurecida.
Dir-se-á que o fenómeno não é exclusivamente português, e que não falta quem nos ganhe “aos pontos” além-fronteiras. O que é verdade.
O certo, porém, é que a linguagem dos distúrbios já cá chegou, com a prestimosa ajuda das chamadas “redes sociais”, enquanto os milhões que circulam por debaixo ou por cima das mesas do futebol exacerbam as paixões dos adeptos, com os estádios transformados em novas arenas, onde só os vencedores contam.
O espaço que os responsáveis editoriais passaram a dedicar, nos telejornais, de uma forma acrítica, ao “politicamente correcto” ou à desvairada intriga futebolística — e a imprensa e as rádios de informação não lhes ficam atrás — só poderá conduzir o universo mediático a maus resultados, com repercussões sociais equívocas.
Com a mesma lógica e indiferença pelos potenciais efeitos da cobertura voraz dos incêndios florestais do Verão, os media tratam de contribuir para “incendiar os ânimos” — os políticos e os clubísticos —, plantando ou amplificando radicalismos, que desmentem os nossos tão apregoados “brandos costumes”. É urgente arrepiar caminho. Infelizmente, as más práticas estão instaladas. A contaminação já foi longe demais e sobra em voluntarismo, raramente inocente, o que falta em coragem, rigor imparcial e lucidez para travar a tempo de evitar o precipício. E assim estamos.