Opinião
O “ilícito” disciplinar…
O caso foi suscitado em boa hora pelo CNID, Associação dos Jornalistas de Desporto, ao denunciar a intenção da Federação Portuguesa de Futebol de processar uma jornalista da Sport TV, em sede “disciplinar”, por esta se ter permitido formular uma pergunta fora do guião regulamentar no final dos jogos.
Deixemos, por agora, de parte, o facto desses encontros com jornalistas, protagonizados por treinadores ou jogadores, serem invariavelmente enquadrados por um painel de patrocinadores publicitários, que os media são forçados a reproduzir, o que é um abuso em si mesmo.
De facto, o episódio relacionado com a jornalista “desalinhada” é verdadeiramente surreal, sobretudo por que o órgão disciplinar da Federação se sentiu ungido de poderes, que não tem, para punir eventualmente uma profissional, por esta não ter seguido os cânones, pelos vistos, em vigor, no mundo do futebol. Espantoso.
Curiosamente, o mesmo conselho federativo é presidido por uma deputada socialista, em regime de acumulação de funções (o que não incomodou, à época, a comissão de transparência do Parlamento, que emitiu um parecer favorável), a qual deveria, ao menos, conhecer os preceitos constitucionais que estão claramente a ser violados pela FPF.
Trata-se, obviamente, de uma imposição absurda e censória, lesiva da liberdade de Imprensa, estranhando-se apenas que e só agora tenha sido conhecida, perante a tentativa de punir uma jornalista que não se sujeitou às limitações fixadas pela Federação.
Mas quem se julgam os responsáveis federativos, a começar pelo seu conselho disciplinar, para se arrogarem no direito de escrutinar o livre exercício da actividade jornalística e de sancionar quem não se sujeite ao papel passivo e bizarro de “agente desportivo”?
Escreveu o referido conselho de disciplina, em comunicado, que “está obrigado a sancionar em processo sumário ou a instaurar processo disciplinar quando chegam ao seu conhecimento indícios da prática de ilícito disciplinar”.
Mas qual é o “ilícito disciplinar”? Que competência tem um departamento da Federação para julgar um jornalista? É um grosseiro atentado ao livre exercício da profissão, que, pelos vistos, tem passado despercebido.
Setembro 22
Há muito que os clubes procuram condicionar o jornalismo nos seus espaços, recorrendo aos mais sofisticados esquemas. Mas ainda não se tinha chegado a este ponto.
Atrapalhado e assustado com as repercussões da polémica, o tal majestático conselho de disciplina optou por recuar, anunciando que embora pudesse “sancionar de imediato em processo sumário” a jornalista “prevaricadora”, decidiu promover uma “reflexão mais detida”, ponderada “a necessidade de concordância entre a proteção dos valores desportivos e a proteção da liberdade de expressão”.
Moral da história: foi preciso “tocar a rebate” no espaço mediático, para o órgão disciplinar da FPF, reconhecer a conveniência de “reflectir” sobre normas regulamentares, implementadas à revelia do mais elementar bom senso e respeito democrático, que nunca poderiam ter sido aprovadas.
Oxalá que tanto o CNID, que denunciou o inacreditável processo, como o Sindicato dos Jornalistas, que secundou a Associação, não desmobilizem até estar definitivamente esclarecida e revogada essa norma inaceitável por qualquer profissional que se preze.