Assange e o jornalismo
A justiça americana acusa Assange de ter ajudado Chelsea Manning (na altura o soldado Bradley Manning) a violar a “password” secreta de uma rede do Pentágono, permitindo o acesso e divulgação de segredos militares. Mas, objectam alguns, não terá isso mesmo acontecido em 1971 com a divulgação dos chamados “Pentagon papers”, permitindo revelar certas realidades da guerra do Vietname? Essa revelação foi considerada legal à luz de disposições constitucionais americanas sobre a liberdade de expressão.
Assange também é acusado nos EUA de ter colaborado na divulgação ilegal, por entidades russas, de “e-mails” trocados pelo partido democrático, visando prejudicar Hillary Clinton e favorecer a eleição de Trump. Aliás, a publicação de milhares de documentos divulgados pela WikiLeaks não envolvem apenas aparentes ligações à Rússia; numa esmagadora proporção, os documentos divulgados embaraçam democracias liberais e poupam ditaduras e autocratas.
Voltando à comparação com os “Pentagon Papers”: não será Assange um herói da liberdade de expressão, um ídolo do jornalismo de investigação? O semanário britânico “The Economist” analisa o assunto e conclui que divulgar, em bruto, informação não editada é um ato de um “idiota útil, não de um jornalista”.
Lembra o semanário que publicar informação a que se acede graças a fugas é o trabalho corrente de jornalistas. Mas estes não violam “passwords”. Nem têm por hábito publicar material obtido por serviços secretos de países não democráticos, como a Rússia, para influenciar eleições em países democráticos.
Acresce que Assange não editou muito do material que divulgou, o que nenhum verdadeiro jornalista faria. Em 2011 foram divulgados documentos em bruto que continham informações pessoais e sensíveis, sem valor noticioso, mas que criaram problemas a várias pessoas em terceiros países.
Os cinco jornais que inicialmente transmitiram informação proveniente da WikiLeaks, mas por eles editada – “The Guardian”, “New York Times”, “El País”, “Der Spiegel”, “Le Monde” – discordaram da informação em bruto divulgada directamente por Assange e desligaram-se do acordo com ele.
O que fez Assange não é jornalismo; o homem não pode nem deve ser considerado um herói da liberdade de expressão.